domingo, 18 de julho de 2010

Professione:reporter - Michelangelo Antonioni (1975)


Há apelos difíceis de ignorar. E o feito por Hollywood nos anos 70 a um obstinado Antonioni, em pico de carreira, culminou mesmo na feitura de ZABRISKIE POINT e em PROFESSIONE: REPORTER, obras vistas pelos puristas do mestre italiano como menores.

Longe dessa verdade, PROFESSIONE: REPORTER conta outra vez como tema assombrado da personalidade fílmica do seu autor, embora também fruto de contemporaneidade cinematográfica pós neo-realista e nouvelle vague a que deu forma, uma história de malaise e alienação. Com o aparato hollywodesco sempre na sombra e uma rara liberdade de actuação, Antonioni escolheu a dedo os actores, particularmente a dupla Jack Nicholson/ Marie Schneider e partiu para o deserto. E da sua viagem (deles) pelo mundo, numa afirmação de identidades transitórias que passa no lado de cá para o de lá da câmara, nasceu, à data, um sucesso moderado, quer comercial, quer crítico.

Jack Nicholson, também ele apanhado numa fase da vida de mudança da sua dramatis personae - passando da energia e rudeza viril de CHINATOWN ou FIVE EASY PIECES, sucessos anteriores, à aura negra e cerebral de THE SHINING e ONE FLEW OVER THE CUCKOO'S NEST)- encarna agora David Locke, um repórter televisivo que investiga os movimentos armados terroristas num país do norte africano. Quando um conhecido do quarto ao lado morre, Locke, sem grande reflexão, decide fugir da sua vida, mulher, emprego, responsabilidades, assumindo a identidade do falecido, transmitindo a “morte” para si próprio. E desta fuga identitária, que assume na visão de Antonioni uma dimensão de road movie calmo, melancólico e surpreendentemente cosmopolita (alguns dos seus melhores momentos são no sul de Espanha ou em Munique), muito do que se conta são as palavras não ditas de Jack Nicholson, os seus gestos densamente minimais, a sua postura mansa de ebulição intelectual. Muito da grandeza de
PROFESSIONE: REPORTER é sobretudo a superior afirmação, por parte de um actor sanguíneo, de algo que nunca teria sido e certamente nunca voltou a ser, um corpo endemoinhado por uma entidade, uma alienação difícil de explicar.


Da fuga do jornalista à sua perseguição pela Europa, por parte da mulher que deixou, - por ela já não ser aquilo que ele era, como ele que já não queria ser aquilo que é-, parte da correria lenta por casas rústicas, hotéis encaixados na paisagem e linhas do infinito traçadas por estradas percorridas, justifica-se com uma nova postura de vida activa. Ou por outras palavras, o seu novo eu, o assumido com a morte de Robertson (Charles Mulvehill), está mais fincado na vida do que ele estava, tendo assim que correr e abandonar o alheamento e observação passiva próprias do “seu” jornalismo, pouco inquisitivo.

Como fosse a insatisfação identitária uma corrida à volta da própria cauda (como confessa o protagonista, debaixo de uma árvore à sua nova namorada, “que se sente só um”, apesar das muitas identidades),
PROFESSIONE: REPORTER também é, apesar de aparentar o seu contrário, uma obra de imobilidade, uma viagem interior, labirinto emocional kafkiano, que justifica uma circularidade e pontos da contacto no trajecto dos personagens. Claro que, este tipo de leituras metafísicas, e sobretudo metapsíquicas, reconhecidamente o “colestrol” do cinema de Antonioni, verdadeiros locais decadentes de chegada, são infinitamente mais débeis do que estes corpos em fuga(s) que palminham esta Europa estranhamente serena. Ainda assim, as diversas leituras que carrega PROFESSIONE: REPORTER são certamente mais justificadas, ou não fosse, em momento da sua reposição, anunciada a obra no poster lançado entre nós, como a mais narrativa das viagens de Antonioni. E é essa dose de narratividade, esses traços de história, os elementos menos geridos. Demasiadamente marcados e evidentes, reenviam o espectador a um cinema que não é bem o de Antonioni, ou pelo menos, no qual também ele se sente um viajante, como indica o seu título em linha inglesa, THE PASSENGER.


Passagem/busca essas, que terminam numa ascensão à “Glória”, com vista larga, mas sempre gradeada, para uma vida serena e contraditoriamente cómica. Como se a tarde, que passa lenta com uma criança que atira pedras a um idoso abrigado do calor, ou um aprendiz a condutor que vai e vem, fizessem sentido.
E fazem.

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