domingo, 19 de agosto de 2012

Distâncias de segurança


Não deixa de me parecer sintomático que à medida que o neoclassismo no cinema converte o close up em algo similar ao bordão de fala - “tipo” - menos ele tem um significado de aproximação emotivo à pessoa. E se os close ups “tapam buracos” e existe um borrifanço geral para os master shots percebemos que se calhar a dedicação que o cinema tem em relação a um dado assunto talvez tenha uma correspondência espacial na distância.

 Ao ver, por exemplo, uma composição típica de Ozu isso torna-se claro. Parece que percebemos nela uma dimensão sacrificial importante:

-como se só uma vida “desinteressante e geométrica”, a sua, permitisse auscultar a arquitectura das relações familiares como alguém terceiro;

-um sacrifício dos exteriores, como um cinema que não pode e não quer sair à rua sob pena de perder a atenção das coisas. Nesses interiores em que o cinema de Ozu reina, os seus famosos planos vazios ou pequenos travellings em direcção ao nada, são mais do que tudo exteriores encapotados. Formas hábeis de ir “para fora cá dentro”. Mas sobretudo índices do incompreensível que actualizam ad aeternum as obras primas;

- mas também um sacrifício da proximidade - uma composição que coloca sempre a câmara a uma “distância de segurança”  (portas, armários, objectos). Não é só pudor que há em Ozu. É sobretudo a percepção que a sua composição típica (em fechadura) tem de que as coisas se revelam inteiramente apenas a uma determinada distância de intimidade. Como um belo paradoxo, daquele que afasta para poder estar muito perto


quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Leituras

Esta semana escrevi sobre o filme do gato-narrador, o The Future da Miranda July que estreou ontem, tentei fazer justiça a Traviata 53' do Vittorio Cottafavi e ainda dei uma perninha na rubrica sopa de planos dedicado ao espírito olímpico. Tudo na chafarica ali do lado. Quem ainda não o fez, ide ler, ide ler e digam de sua justiça.

domingo, 12 de agosto de 2012

Mas a família não janta toda junta


Não estou seguro que a chegada da cor em Ozu, com Higanbana (A Flôr do Equinócio, 1958) tenha trazido alterações substanciais. Se há obviamente um abrir dos planos a outra dimensão (como a chegada a uma casa que parecendo nova, a reconhecemos: está lá o bule do chá e que espanto é vermelho; a garrafa de sumo laranja ou o rosto colorido de Ineko Arima), a cor “apenas” acentuou a matiz que o preto e branco já revelava. O universo de Ozu já era o da contradição, da revelação silenciosa, a “soma total das inconsistências da vida como a própria vida”. O aproximar do fim para o cineasta japonês trouxe apenas essa clareza na forma de superar a contradição, como um processo interior, entre uma chegada e uma partida de comboio. É certo que há agora uma modernidade que se torna mais visível nas tabuletas dos bares, nos néons, na fachada dos edifícios (que puxa uma nova dimensão de verticalidade e urbanidade para um cinema horizontal e atemporal). Contudo, essa abertura em relação ao conservadorismo, à defesa dos valores dos jovens em lutar pela própria felicidade, o ataque ao casamento como contrato de origem feudal nunca é uma cedência. O desenlace interior de Hirayama, tão límpido na sua expressão quando parte para Hiroshima para reencontrar a filha, não apagou os sonhos inalcançados como expressão nostálgica de um passado que parte (tão bela a sequência dos homens de quimono branco e preto após o casamento). O avanço, mesmo na sua expressão mais radical, não mata o luto e a nostalgia pelo que foi. A filha casa-se com um desconhecido, num movimento agridoce da vida, como o tinha sido a guerra para ele. Nessa sequência daquele que pode ser o último passeio de toda a família, recordam essoutro passado, desnorteado, que não poderia fugir (dizemos) ao preto-e-branco: a esposa lembra, com nostalgia, quando fugiam para os abrigos anti-aéreos e pensavam que poderiam morrer todos juntos. Ele não quer recordar esse tempo, sem conforto, cheio de pessoas arrogantes. Mas agora Hirayama, como Ozu, adianta-se no tempo. "Não faz mal, não faz mal", diz-lhe a esposa. Dizemos-lhe nós.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Os grandes filmes


"Na medida em que Walsh realizou um grande número de obras, por vezes várias no mesmo ano, os grandes filmes surgem apenas quando se encontra o bom equilíbrio, não só entre truculência e distância (o que nunca falta e torna atractivos os seus filmes menos bons), mas sobretudo entre os imperativos categóricos da narrativa e as necessidades opostas (que forçam um abrandamento da acção que faz avançar a narrativa) de dilatação dramaturgica. Quando este equilíbrio (que deve ser, graças ao "duelo", um ligeiro desequilíbrio) não é achado, é aos constrangimento erróneos da produção e à ideologia espectacular das companhias que se devem as falhas que revelam subitamente os preconceitos de uma época, pois o génio de Walsh não deixa de ser exercido, tanto nesta arte de dirigir uma narrativa nitidamente mais depressa do que a velocidade de cruzeiro do espectador, como na arte de interrompê-la para abrir as perspectivas da dramaturgia, mas sem se furtar a fazer a junção de ambas".  Jean Claude Biette in "Um Olhar sobre Raoul Walsh"

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Cinéfilias puras e impuras

Quem é que falou em silly season?


Com o tempo lento das férias não há desculpa para não pôr a leitura em dia. São as minhas críticas ao último Tavernier e ao último Yimou; a escandaleira sem nome da maldição dos morcegos (o de Nolan e o de Schumacher); o dinheiro, o dinheirinho e a roupa (ou falta dela) em Magic Mike; a história a empurrar o canon dos justos e dos belos no cinema; as batatas, sem mais, na TV; o encosto de Wes Anderson à animação, e por aí fora.