quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Começou o terror

A edição deste ano do MOTELx, Festival de Cinema de Terror de Lisboa, mais uma vez no Cinema S. Jorge, arrancou ontem a todo o vapor. Esta edição, que conta com mais de 60 filmes, entre as quais 35 longas-metragens, tem como grande destaque a vinda a Portugal de George Romero, autor do lendário The Night of the Living Dead, para acompanhar uma significativa retrospectiva da sua obra e apresentação do seu mais recente filme Survival of the Dead (30 de Setembro, Sala 1 às 21:45).

Antes das 15 horas de ontem já havia uma considerável fila de público para obter bilhetes sendo notório a consagração de um festival que já vai na sua quarta edição, com registos crescentes de público. Os destaques de ontem foram para o irlandês The Eclipse, de Conor McPherson, vencedor do Méliès de Prata no Festival de Sitges, e Noite Sangrenta, o novo filme da dupla Tiago Guedes e Frederico Serra (Coisa Ruim) a quem coube a sessão de abertura oficial do MOTELx. Rodada como mini-série de dois episódios para a RTP, Noite Sangrenta corre na noite de 19 de Outubro de 1921e conta a história de um grupo de oficiais republicanos guiados pelo cabo Abel Olímpio, que percorrem as ruas de Lisboa com a missão de assassinar vários figuras políticas e militares. Este grupo ficou conhecido como “camionnette fantasma”, e chegou a atacar os heróis da revolução de 1910, Machado Santos e Carlos da Maia.

O dia de ontem ficou ainda marcado pela primeira apresentação em Portugal do mais recente fenómeno de brit horror, Cherry Tree Lane, de Paul Andrew Williams, que numa sarcástica alusão à crise no mercado imobiliário, marca, num estilo próximo de Clockwork Orange e Straw Dogs, o seguimento do denominado “hoodie horror”, depois de Eden Lake.

O dia de hoje promete continuar com os sustos em dose imoderada. Às 19:00 horas na sala 1 passa o britânico Tony, um filme perturbador sobre um everyday man, viciado em filmes de acção, que quando se descontrola o resultado é o crime. Esta primeira obra de Gerard Johnson tem sido comparada a Henry: Portrait of a Serial Killer e Taxi Driver. À noite, George Romero estará presente na estreia de Survival of the Dead, a sua mais recente incursão na metaforização política via zombies. Desenvolvido a partir de uma personagem secundária de Diary of the Dead, este “western” arrasta um grupo de soldados para uma ilha remota, espécie de último paraíso na Terra.
Para quem ainda tiver estofo aconselha-se à 00:15 na sala 1 (e repetição na sexta feira às 15:00 na sala 3) The Loved Ones de Sean Byrne. A premissa desta comédia de terror é impagável: uma jovem convida um rapaz para o baile de fim de licenciatura. Perante a recusa deste, o pai da rapariga rapta o jovem e a festa privada destes passará a ser bem diferente.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Lola, Brillante, Lola

Depois do sadismo impossível de Kinatay (2009) - vencedor do prémio de melhor realizador na edição de Cannes desse ano – e dos sorrisos amarelos com que foi presenteado na sua terra natal, Brillante Mendoza precisava urgentemente de se lavar. Aproveitando a eminente estação das chuvas e consequentes inundações nas Filipinas, resolve banhar-se nelas, na sua luz escura, no seu vento, e filmar este Lola.

Mas nestas purificações permanece algo que já não se lava, que já não sai: um forte sentido de auto-descoberta artística. Daí, neste melodrama proletário, a câmara de Brillante Mendoza continuar a ser uma espécie de fuzil realista que ora sobe, ora desce, vem, vai, entre as personagens ou para além destas. Contudo, mais do que uma necessidade de nos emergir, o filipino ergue-se como presença opressiva, quase xamanística, no mundo de sacrifício das suas duas Lolas, as duas avós que andam a braços com feridas familiares que envolvem os netos. Um foi assassinado, o outro preso por suspeita da morte do primeiro. Perante isto, Lola quer justiça e Lola também quer justiça. Uma quer enterrar o neto condignamente, escolher o seu caixão e saber quem o matou, a outra libertar o “culpado”, o seu neto, sem que isso da culpa seja um assunto para ali chamado.

Se há um lado emocional, lírico, que a ratoeira de Fassbinder sempre procurou esconder, Brillante Mendoza prefere justapor o domínio dos exteriores, como estratégia quase documental, ao domínio da representação naturalista (magníficas interpretações das actrizes filipinas Anita Lindo e Rustica Carpio) e o resultado, um inusitado “lirismo de intervenção”. Joga-se o “pobre” do cinema com o “rico” no cinema para um retrato das diferenças sociais. E essa condição, desperançada, evidencia o imiscuir do social no natural. Do natural, em Lola, salta à vista uma cidade afogada, presa nos ritmos de funerais, de trajectos impossíveis, de estratégias para obter dinheiro. Do social, os tribunais, os créditos, as casas de banho avariadas. Os dois, um.

No filme, os elementos, a chuva e o vento são a exteriorização de um obstáculo que é interior, de superação de trauma da morte e prisão de um ente querido. Este reforço da dificuldade material de subir, descer, entrar, não é de somenos. Enquadra-se num obstáculo físico próprio da terceira idade e nesse sentido Lola é um filme sobre o espaço. O espaço entre corredores, portas, barcos, casas - cubículo, passeios, que têm de ser percorridos, que têm de ser sobrevividos. E nisso, sobretudo nisso, o cinema de Brillante é inexcedível, demonstrando um talento quase sobrenatural para construir uma sombra fantasmática, comovente, que reclama o centro da nossa observação. Mas, e rendemo-nos a ela? Sim. E o enigma de Lola é exactamente esse. É que essa é uma sombra que vê as personagens tão lá no fundo que os créditos, empréstimos, os seguros, sempre presentes, parecem vir do além. Essa é a demonstração mais perversa, mais adulta do que é viver na pobreza, sobretudo porque isso implica a escolha de amar de uma maneira que os ingénuos pensam menos limpa, mas que os sábios sabem ser mais completa. É esse amor que um neto tem ao seu dispor - nas mangas que a avó lhe traz à prisão, nos pintainhos no caixão - que ironicamente este nunca será capaz de calcular. Ironia em Manila.

Mas afinal onde é que Brillante não é assim tão brilhante? A resposta é, nos momentos funcionais, quando a acção ou a cena é clássica e tem de avançar. Como por exemplo nas sequências na polícia ou tribunal.

O final deixa uma noção de desesperança, a tal ratoeira onde há que ser prático. Sem que Lola deixe de ser uma fábula sobre o dinheiro e a sua presença vital, não pode também deixar de ser uma história de sobrevivência. Porque é importante que a televisão da existência não seja penhorada, nem sequer apareça desfocada. Os mortos leva-os o rio.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Embargo, a infantilização adulta

Os debates tecnocráticos mais interessantes da História giraram quase sempre à volta de falsas questões. Nós por cá somos especialistas nisso. Atente-se ao cinema português, e pior ao seu sistema de suporte financeiro, que nas últimas décadas tem sido vítima de uma dessas. A “grande cisma do nosso cinema” opõe os “catolicistas” do mainstream, que vivem de arremedos corajosos, mas na sua maioria desleixados, de erigir uma indústria audiovisual auto-sustentada e os apologistas de cinema de qualidade notoriamente “superior” aos espectadores que temos. Entre estes há um fosso intransponível feito de coloridas animosidades e alegres querelas quase todas com enorme visionamento mediático e sem nenhum sentido de pragmatismo.

Ora, uma obra como Embargo, a mais recente longa-metragem de António Ferreira, adaptada do conto homónimo de José Saramago, tem como principal virtude expor como é falsa esta dita querela e age muito mais activamente na procura de uma solução do que qualquer uma dessas facções. E fá-lo precisamente porque objectivamente enjeita qualquer um dos lados e transporta uma descomplexada visão do cinema. Sem nunca rejeitar uma forte componente narrativa, a inteligente adaptação de Tiago Sousa (argumentista e realizador da curta El Justiciero) evita a carregada visão mundividente da alegoria do conto de Saramago, e transfere esse problema de trans-ausência de bens, para uma dimensão não menos apocalíptica das relações humanas e familiares.

Nuno (o estreante Filipe Costa) é um homem com um sonho que envolve a felicidade: mais do que “estar bem”, segundo as suas palavras. Em pleno embargo petrolífero mundial, o jovem empreendedor inventa uma máquina digitalizadora de imagens de pés para criar sapatos à medida certa e deposita nela todas as esperanças. Esperanças que envolvem sair da roulote de bifanas onde trabalha e proporcionar uma vida melhor à sua namorada (Cláudia Carvalho) e filha desta (Laura Matos). Um inexplicável acidente mantém-no cativo no seu próprio automóvel, último reduto da uma incompreensão e solidão quase kafkianas, e fazem-no fazer-se à vida mesmo só com quatro rodas.

A forte dimensão irónica presente nos diálogos de Embargo permite a esta história, com um universo vagamente buñueliano, sair de um espartilho autoral e pôr em destaque o lado mais singelo, e no entanto filho-da-puta, do ser humano. É curioso que uma das estratégias de comicidade empregadas pelo filme de António Ferreira seja a da infantilização dos seus adultos e “seriedade” das suas crianças. Elemento que não por acaso surge como marca geracional no qual se integra algum do cinema contemporâneo português mais interessante dos últimos anos, designadamente em algumas obras de Miguel Gomes, Sandro Aguilar ou João Nicolau. É tudo gente com apuradíssimo sentido cinéfilo, mas livre dos constrangimentos de ser adulto antes do tempo, de ver o cinema como uma coisa de vida ou morte, seríssimo, um cinema que à laia de ser sério se tornaria muitas vezes bacoco. Ao invés, trata-se de um espaço de liberdade emocional onde se exorcizam sem traumas a experiência de ser “adolescente” adulto, ou seja, até bem mais tarde, como quase toda esta geração experienciou. Ozu e Playstation, Bresson e póquer, não são neste mundo sinais de estatutos opostos, mas a confluência de uma sensibilidade muito própria. Uma sensibilidade que não hierarquiza o que é próprio de velho e o que é próprio de novo. É nesse espaço de confluência, do qual resulta quase sempre uma ambientação onírica e postiça, que se produz uma identificação vital à geração mais jovem e que mostra um “mundo novo” àqueles com construíram durante décadas o discurso oficial do que deve ser cinema de qualidade.

“Embargo” estreia esta quinta-feira, dia 30, em todo o país, isto depois de já ter arrecadado uma menção especial do júri na edição do Fantasporto deste ano. A não perder.

sábado, 25 de setembro de 2010

Jogando o jogo

Ariel (1988), o filme do meio da “trilogia do proletariado” - entre Shadows in Paradise (1986) e The Match Factory Girl (1990) – do finlandês Aki Kaurismaki é um magnífica mestiçagem de série B norte-americana e um propósito praticamente neo-realista. Dizemos “propósito” e “praticamente” porque o seu lado hiperbólico, atentíssimo ao deslize incongruente de uma Finlândia em crise (dos eighties a 2010 num passinho) é dotado de um visceral e fabricado humor negro, onde apenas há uma vaga intenção, única ideia que acaba por se manter como “real”. O meio onírico, esse, viaja para momentos em que a noção que o finlandês possui da economia narrativa é o traço mais característico, aquele que mais se retém.

Após o suicídio de um companheiro de trabalho nas minas, Taisto (Turo Pajala) aceita o seu conselho de mudar de vida. Levanta todo o seu dinheiro e parte no descapotável que aquele lhe deixou. Se a garagem do qual parte literalmente se desfaz, umas horas depois Taisto vê-se na típica situação kaurismakiana: proprietário de um descapotável mas sem dinheiro e sem sítio onde dormir. É pois o momento de descer na escala social e de justificar a proletarização da história, com a luta do protagonista pela sobrevivência. Às dificuldades de trabalho e injustiças de sistema, Kaurismaki responde sem revolta, aceitando-as com o laconismo do seu anti-heroi que expõe o ridículo de uma crise estrutural. Ainda voltando à noção de economia narrativa, o filme tem 73 minutos, esta não é só uma marca de cinematografia B, mas aqui sobretudo uma contenção da imagem, da reacção das pessoas no mundo fechado do autor. Numa espécie de apologia da brevidade, (Pascal elogiar-lhe-ia o talento certamente) Aki Kaurismaki consegue passar do mais aterrador - o medo que uma criança tem de ser abandonada pela mãe (“Não te esqueças de telefonar…”) ao mórbido humor da sequência da morte de Mikkonen - numa questão de minutos. Deixamos aqui a referida sequência que é certamente um dos expoentes da arte de Kaurismaki.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Os Canibais

Near Dark - Kathryn Bigelow (1987)




Vargtimmen - Ingmar Bergman (1968)

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A economia do sublime

Ao ler Rulfo, um dos maiores nomes da literatura latina, espécie de Salinger mexicano com pouco mais de 300 páginas escritas, apercebemo-nos de um facto inesperado: a brevidade.

A contenção nos fios de páginas, no parágrafo acéptico ou na estúpida simplicidade dos eventos, produzem uma espécie de realismo perverso. Nada é apenas aquilo que é (isso já estamos habituados), mas não o sendo, a vida nessa tal junção económica não hiperboliza uma morte, um desgosto, um espírito, mais do que o faz sobre uma árvore na sombra ou um sulco de terra abandonado.

Eis um excerto de Pedro Páramo, novela que Borges considerava, e percebe-se, uma das melhores novelas da literatura mundial. Cerca de 120 páginas na tradução portuguesa da Cavalo de Ferro.


«-Melhor seria não teres saído da tua terra. O que é que tu vieste cá fazer?

- Comecei por te dizer isso. Vim à procura de Pedro Páramo que, ao que parece, era meu pai. Trouxe-me a esperança.

-A esperança? Isso sai caro. A mim tocou-me viver mais do que devia. Paguei com isso a dívida de encontrar o meu filho, que não foi, por assim dizer, senão mais uma ilusão. Porque nunca tive nenhum filho. Agora que estou morta, dei tempo a mim própria para pensar e ficar a par de tudo. Nem sequer o ninho para o guardar Deus me deu. Só aquela longa vida arrastada que tive, levando de cá para lá os meus olhos tristes que sempre olharam de soslaio, como que à procura por trás das pessoas, suspeitando que alguém teria escondido o meu menino. E foi tudo culpa de um maldito sonho. Tive dois: a um, chamo-lhe “bendito”, ao outro, “maldito”. O primeiro foi o que me fez sonhar ter tido um filho. E enquanto vivi, nunca deixei de acreditar que fosse verdade; porque o senti entre os meus braços, tenrinho, cheio de boca e de olhos e de mãos; durante muito tempo conservei nos meus dedos a impressão dos seus olhos adormecidos e o palpitar do seu coração. Como é que eu poderia pensar que aquilo não era verdade? Levava-o comigo para onde quer que fosse, envolto no meu xaile e, de súbito, perdi-o. No Céu disseram-me que tinha havido um equívoco comigo. Que me tinham dado um coração de mãe, mas o seio de outra. Esse foi o outro sonho que tive. Cheguei ao Céu e aproximei-me para ver se reconhecia entre os anjos a cara do meu filho. E nada. As caras eram todas iguais, feitas com o mesmo molde. Então perguntei. Um daqueles santos aproximou-se de mim e, sem me dizer uma palavra, mergulhou uma das suas mãos no meu estômago como se a tivesse mergulhado num monte de cera. Quando a retirou, mostrou-me qualquer coisa como uma casca de noz: “Isto prova o que te demonstra.”

“Tu sabes como falam de forma esquisita lá em cima; mas nós compreendemo-los. Quis dizer-lhes que aquilo era apenas o meu estômago enrugado pelas fomes e pela pouca comida; mas um outro santo empurrou-me pelos ombros e mostrou-me a porta de saída: “Vai descansar um pouco mais na Terra, minha filha, e procura ser boa para que o teu Purgatório seja menos longo.”

“Esse foi o sonho “maldito”, que me deixou claro que eu nunca tivera qualquer filho. Soube-o tarde de mais, quando o corpo já se me tinha mirrado, quando a espinha me saltou por cima da cabeça, quando eu já não conseguia andar. E, para cúmulo, a aldeia foi ficando deserta; todos se fizeram à estrada para novos rumos e com eles partiu também a caridade de que eu vivia. Sentei-me à espera da morte. Desde que te encontrámos, os meus ossos resolveram ficar quietos. “Ninguém dará por mim”, pensei. Sou algo que não estorva ninguém. Bom vês, nem sequer roubei espaço na terra. Enterraram-me na tua própria sepultura e coube muito bem na cova dos teus braços. Aqui neste cantinho onde agora me vês. Apenas penso que deveria ter sido eu a abraçar-te. Ouves? Lá fora está a chover. Não sentes o bater da chuva?”

-Sinto como se alguém caminhasse entre nós.

-Vamos, deixa-te de medos. Já ninguém te pode assustar. Tenta pensar em coisas agradáveis porque vamos estar muito tempo enterrados.»

sábado, 11 de setembro de 2010

O cinema "novo" da RTP2

A petição por uma programação de qualidade na RTP2 já conta com mais de três centenas de apoiantes. Este é um belo início para um movimento que começa agora a mostrar um problema importante da cultura visual portuguesa. No blog da causa destaque para as interessantes sugestões com que a RTP se podia entreter. Conferir aqui.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Pelo serviço público português, pelo cinema (II)

No início de Julho deste ano deparei-me com uma série de posts muito interessantes no Blog CINEdrio de Luís Mendonça com algumas considerações bastante pertinentes sobre a actual e fraquíssima programação cinematográfica da RTP2. Com base na troca de algumas opiniões sobre o assunto, nomeadamente aqui, no blog In a Lonely Place, de Miguel Domingues, entre outros, chegámos à fácil conclusão de que algo teria de ser feito no sentido de chamar a atenção para os responsáveis do canal e instâncias governamentais do incumprimento da função de serviço público em que o canal está a incorrer quando decide programar com critérios, diríamos, inexistentes, ou pelo muito questionáveis, os poucos filmes que decide mostrar ao público televisivo português.

O próximo passo desta nossa iniciativa é alargar o espectro de apoio de um movimento que quer mudar os critérios com que o suposto “serviço públiço” português, protegido constitucionalmente, encara a exibição cinematográfica televisiva.

Para tal incito toda a gente a ler o nosso texto da petição pública e a assiná-lo, assim como seguir os novos desenvolvimentos no nosso blog Petição RTP2, ou a aderir ao grupo “Pelo regresso da exibição regular de cinema à RTP2” no facebook.

Estão todos convidados a reflectir sobre este problema, sugerir soluções e publicitá-lo nos vossos espaços/blogs.

Actualmente, o movimento pelo regresso do cinema de qualidade à RTP2 já conta com o apoio de pessoas como João Mário Grilo, Arsélio de Almeida Martins ou Adriano Duarte Rodrigues.

A mudança começa aqui. Com todos.

domingo, 5 de setembro de 2010

Breve nota sobre o último Wiseman

É praticamente inexplicável que nenhum dos filmes de Frederick Wiseman tenha tido até hoje estreia em sala em Portugal. La Danse representa por isso, antes de tudo o mais, uma “mostragem” oficial do documentarista vivo mais famoso do mundo ao público português. Verdadeira efeméride que não pode ser esquecida mas que não deve também ofuscar a produção de um discurso que não tenha isso em conta.

Uma vez esclarecidos, diga-se que La Danse, sendo um excepcional documentário, representa na carreira de Wiseman um filme onde o excesso e a evidência, por motivos diversos, não permitem que se fale em obra-prima (seja lá o que isso signifique ao final de contas). Falar de excesso implica fazer um juízo quase aritmético entre a produção de ideias e o tempo do filme. Falar de evidência, correndo o risco da injustiça, leva-nos à evolução histórica da linguagem documental, da qual Wiseman se tornou um dos pilares, e à apropriação que se fez da sua forma descomprometida de “velar” as instituições, extirpando protagonismos, narrativas, voice overs, etc. Essa apropriação torna La Danse apenas um filme de Wiseman, sendo que milhentos filmes que o seguiram já fazem, já usam (uns melhor, outros pior) essa dita linguagem. Esta é, admitimos, uma ideia perversa mas que é evidente: o pai já não pode apenas ser pai.

Mais interessante é sem dúvida o encontro do cineasta com a dança, como arte, e a necessidade que aquele sente de prolongar o movimento dos corpos com o movimento do seu “corpo tecnológico”. Nesse sentido, a deambulação de Wiseman converte o espaço num “espaço dançante” com a superior utilização dos espelhos das salas de ensaio a prolongarem o campo visível. Parte ainda desse encontro vê-se no pudor de não manchar a verdadeira dança com o cinemático, e da repetição do movimento dançado trazer densidade ao seu cinema.

Esse prolongamento da dança ao cinema obviamente que não se esgotará nos bailarinos mas na observação nos diferentes ritmos da Paris Opera Ballet, na sua dança trans-artística. E nisso, Wiseman é mestre, é esse o seu programa aliás. A instituição Paris Opera, a dita colmeia, tem esses outros corpos que dançam longe dos holofotes, a tapar buracos na parede, a servir refeições na cantina ou a aspirar. Fica-nos pois deste diálogo dança/cinema uma visão particular da primeira que transcende o ballet clássico ou a dança contemporânea e que invade a vida de uma qualquer instituição.