domingo, 29 de maio de 2016

A minha contribuição para a sopa deste mês sobre o tema da árvore é um plano de Sud Pralad de Apichatpong.

sexta-feira, 20 de maio de 2016

La loi du marché


Vincent Lindon ganhou o prémio de melhor actor em Cannes no ano passado. E não é para menos pois o seu olhar é uma pára raios que atrai todas as incongruências e frustrações de um sistema que coloca em oposição valores éticos e valores económicos. Embora possa dizer-se da natureza (algo dardenniana) do projecto de La loi du marché que não é muito inovadora, não é sem interesse que assistimos à cumulação de olhares entre Brizé e Lindon. Os dois a testemunhar "as regras do jogo" - um de câmara parada no canto, o outro de olhar expectante. Dessas regras do jogo capitalista fazem parte: a formação profissional a desempregados de longa duração sem coordenação ou hipótese de reabsorção dos formandos pelo mercado; o horizonte de venda da casa (ou da roulette de férias) sempre ao preço mais baixo; ou uma entrevista de emprego por skype com a expectativa de vir a receber menos (de vir a não receber nada, de facto) como a única hipótese para sustentar a família.

Enquanto os olhares do cineasta e do personagem andam em paralelo La loi du marché é um bom, e evidente, filme. Contudo Brizé já vai dando sinais que a expectância não chega e de repente temos pena que o pobre do homem, além de tudo o mais, tenha um filho deficiente para tratar. Quando a personagem de Lindon, Thierry, arranja finalmente um emprego - como operador de video-vigilância de um supermercado, uma espécie de Pingo Doce, ou assim - Brizé preciso de "encher" o olhar do seu personagem de episódios embaraçosos para que possa explodir. A partir daqui quebra-se o paralelismo: Lindon continua a testemunhar e a câmara de Brizé já está mais próxima do olhar do director comercial da loja, que revela que, como não consegue subir os valores de venda da loja para aquele ano, tudo fará para, ao menos, reduzir no pessoal, apanhando-os, sempre que possível, em flagrante. E é isso, de repente, La loi du marché torna-se num filme que procura o embaraço mostrando que, por baixo de uma serena fabricação militante, há umas roupinhas mais ou menos hanekianas, que nos vão moendo cada vez mais a vista. 

Talvez por esta mudança, o filme de Brizé não tenha um alcance político tão interessante como poderia ter. 

Dheepan



Não posso dizer que seja um grande seguidor dos filmes de Jacques Audiard. Só vi De battre mon coeur s'est arrêté dele não me resta grande memória. Este seu último, Dheepan, até podia ser recebido criticamente como aquilo que é – um filme bastante convencional sobre a vida dura de um grupo de naturais do Sri Lanka em França –, não tivesse sido colocado nos píncaros pela Palma de Ouro que Cannes lhe atribuiu no ano passado.

Assim, cumpre colocar as coisas nos sítios certos. Dheepan não é um grande filme pois limita-se a justapor a conhecida (e reconhecida) lógica sobre a culpa ocidental pela forma como tratamos o Outro, a um imperativo de agenda (o problema dos refugiados, a ligação destes a uma ameaça de terrorismo). O seu prémio é a colocação a nu de um cinema que não quer apenas mostrar e agir sobre o real, mas sim capitalizar os assuntos do dia para obter dividendos. Por isso o filme contem elementos tão contraditórios como querer o naturalismo da língua Tamil na boca das suas personagens ao mesmo tempo que Audiard encena a redenção final como uma subida aos “céus da burguesia francesa”: o sonho de uma relaxada refeição entre amigos num jardim de uma vivenda, ao som de uma música religiosa. De repente, o bem-estar das personagens é o nosso, isto é, o de um qualquer aborrecido anúncio televisivo de domingo à tarde…

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Palas do mês


quarta-feira, 18 de maio de 2016

Leiam aqui a entrevista que eu e a Sabrina Marques fizemos ao Apichatpong.

terça-feira, 17 de maio de 2016

Pride and Prejudice and Zombies


Não querendo dizer mal de Seth Grahame-Smith - até porque ele é o criador desse enormíssimo estudo chamado The Big Book of Porn: A Penetrating Look at the World of Dirty Movies - há que pensar no caminho mais provável que terá dado origem a Pride and Prejudice and Zombies. Os mash ups estão na moda e, além disso, muito homem há que não senta o rabo no sofá para ler/ver pessoas em fatos de época a conversar incansavelmente  (e a dar aqui e ali um passinho de dança) sobre os efeitos cómico trágicos das relações matrimoniais e afins. O que calhava bem era mais acção, talvez até sangue e ... uns zombies, porque não? Sempre distrai. 

E é um facto que distrai. No pior sentido. A adaptação para cinema, a comédia de Burr Steers, limita-se a juntar os três elementos do mash up: os plot points do livro de Austen para os fãs do seu universo não se sentirem defraudados; o jogo de "micro-cirurgia" de inserção dos elementos zombie no retalhado universo da escritora; e, por fim, a cereja no topo do bolo, os pinotes são feito com estilo, isto é, a comédia social de costumes é um filme de zombies... e um filme de acção de artes marciais. Quer dizer, devia ser, ou melhor, podia ser, mas nem isso. O mash dá uma papa indistinta onde pouco o nada se reconhece.

E digamos que se perdeu até uma boa oportunidade. Se as personagens femininas de Austen corporizam o "role playing game" dos primórdios da época vitoriana, elas também são ilustrações interessantes para a frase em que Marx caracterizava o capital como "dead labour" que, tal qual vampiro, vivia a sugar o "living labour" e que, quanto mais sugava, mais vivia. Ora, o início do capitalismo podia até ter como expressões "vampíricas" essas mulheres de sociedade austiana que procuravam sugar o sustento de um bom partido, bonito, mas sobretudo rico. Assim, Pride and Prejudice and Zombies podia bem ser o conflito entre as figuras vampíricas do início do capitalismo e as figuras desapossadas de escolha e vontade, os nossos queridos zombies massificados do capitalismo tardio. Esse confronto, alegórica e inadvertidamente, está gizado, quer no livro, quer no filme. Mas só está aí em estado embrionário, num filme (quiçá no livro, não o li) que é só mais uma coisinha para distrair. Distrair-nos deste possível confronto entre dois modelos de domínio e subjugação, e ainda pior, desapossando-nos do nosso legítimo direito à boa e velha (e real) distracção.

Durmam, durmam, criancinhas

Na redefinição expansiva de Hardt e Negri de “subsunção”, não é apenas o trabalho é que subsumido ao capital, mas todos os aspectos da vida social e pessoal. Isto significa que tudo na vida passa a ser visto como uma espécie de trabalho: ainda estamos a trabalhar quando consumimos e mesmo quando dormimos. Afectos e sentimentos, habilidades linguísticas, modos de cooperação, formas de know how e de conhecimento explícito, expressões de desejo: tudo isto é apropriado e transformado em fonte de mais-valia. Passámos de uma situação de exploração extrínseca, no qual o capital submetia o trabalho e a subjectividade aos seus propósitos, para uma situação de exploração intrínseca, no qual o capital incorpora directamente o trabalho e a subjectividade no interior dos seus próprios processos.

Steven Shaviro in «No Speed Limit: Three Essays on Accelerationism»

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Bruno e Jorge, obrigado pelo tri


quarta-feira, 11 de maio de 2016

Entretanto... Richard Wagner em 2016 (aliás 1849):

É esta a arte que hoje infecta o mundo civilizado! A respectiva essência reside na indústria, a sua finalidade moral é o lucro financeiro e a eficácia estética é o entretenimento dos entediados. A arte do nosso tempo vai buscar a sua seiva vital ao coração da sociedade moderna, ao ponto central do respectivo movimento circular, ou seja, à especulação da grande finança (...)

in "A Arte e a Revolução"

Quando os moinhos giram ao contrário


segunda-feira, 9 de maio de 2016


Zoolander 2 não tem tanta graça como o primeiro. Talvez se tenha passado demasiado tempo entre os dois filmes e as ideias se tenham amontoado um pouco. Contudo, uma comédia que gira em torno do facto dos olhares/expressões poderem ter nomes específicos (como fragrâncias) tem de ter o meu respeito. Isto para além de ser visionário em relação à morte em série de estrelas pop em 2016. E por ter o Kiefer Sutherland grávido, claro.

quarta-feira, 4 de maio de 2016


segunda-feira, 2 de maio de 2016

Conversa com Catherine Grant


Vejam na Interact a conversa que eu e o Luís Mendonça tivemos com Catherine Grant, autora do  projecto online Film Studies for Free e do fórum online, alojado no Vimeo, Audiovisualcy. Os temas são mais que muitos, mas os mais importantes: a nova cinefilia digital e o boom dos ensaios audiovisuais.
Modern theories of cinema in fact unceasingly return to “the simplest question: the body, how do you find it?” The great analyses of the last years have looked into the ways in which film presupposes, elaborates, gives or abstracts a body, not hesitating to pose again such primitive questions as what texture is it (flesh, marble, plaster, affect, doxa)? What is its framework (skeleton, semblance, becoming, a structure of formlessness [plastiques de l'informe])? What destroys it (the other, history, deforming its contours)? What kind of community does its gestures allow it to envision (people, collectivity [collection], alignment with the same)? To what regime of the visible has it submitted (apparition, extinction, haunting)? What is its story really (an adventure, a description, a panoply)? What creature is it at bottom (an organism, an effigy, a cadaver)? ( In sum, they have explored the ways in which a film invents a figurative logic.

Nicole Brenez in «The ultimate journey: remarks on contemporary theory» 
Pour le formuler crûment : l’art possède la vérité mais il ne le sait pas ; l’interprétation (c’est-à-dire la philosophie) sait la vérité de l’art mais elle ne la possède pas. Un tel dualisme, qui repose légitimement sur une conception restrictive de la connaissance comme travail de la pure rationalité, ressemble fort cependant à une stratégie d’infantilisation de l’œuvre d’art, au sens propre : infans, l’œuvre ne saurait pas parler et ce serait le rôle de l’analyse que de parler à sa place.

On peut envisager exactement le contraire : que l’œuvre dit toujours beaucoup plus que ce que nous entendons, en particulier parce que nous n’avons pas appris encore son langage à elle. N’est-il pas plus riche de penser que le commentaire n’a pas besoin de se prévaloir de la mutité ou du balbutiement de l’œuvre ? Il se légitimera tout autant d’en traduire correctement quelques phrases, pour filer cette métaphore langagière. Une formule provocante de Jean-Luc Godard possède une grande force programmatique : « les films n’ont pas été vus ». Certes, dans l’immédiateté de leur naissance, les films radicaux ne possèdent aucune surface de visibilité, sauf à provoquer délibérément le scandale comme dans la grande tradition des avant-gardes (de type surréaliste ou lettriste). Mais plus généralement, les films quels qu’ils soient, y compris les plus froidement industriels, se voient souvent rabattus sur leurs schémas scénaristiques, sur leurs déterminations matérielles, sur leurs conditions de recevabilité. Ce qui se perd constitue l’un des enjeux les plus dynamiques de la réflexion sur les films : saisir la puissance de déplacement, le potentiel critique des images.