terça-feira, 26 de abril de 2011

Different Place Different Rules

domingo, 24 de abril de 2011

O sorriso de Silvio Berlusconi

O sorriso de Silvio Berlusconi é provavelmente o maior símbolo fetichista que a nova Europa economicista, aquela que substituiu a belicista, possui. Trata-se de um rosto de uma alta figura do estado que quase setenta anos depois da segunda guerra mundial faz ainda pensar o momento actual como mero tempo de rescaldo. Para além da conhecida falsa descontracção e confiança como traços da pessoa política, existe no sorriso de Silvio Berlusconi a apocalíptica ideia de que tudo é da ordem do possível. Construção de cidades de milhões de habitantes, gestão de canais televisivos, clubes de futebol, controlo da população através de sistemas mediáticos de cariz arcaico – fascista, controlo do sistema judiciário, controlo da instrumentalização sexual de classes. Controlo. Mas o mais perturbador nesta lógica de construção de uma «sociedade de controlo» é que a tradicional estrutura dualista do soberano é, no caso de Berlusconi, um enigma. Ou por outra, se na maioria dos grandes estadistas, bons ou maus, o sorriso é um exterior de um interior tenso, calculista, incapaz de sorrir, no político italiano, (e talvez seja esta uma das operações de charme de que faz uso o próprio) a descontracção, parece-nos, não é apenas um jogo de espelho mediático. A descontracção do poder com uma só cabeça (algo que o sistema americano já só ostenta falsamente na figura do presidente, dado que se trata de uma máquina que já funciona sozinha) é um traço de personalidade. Será possível que seja algo do domínio da compaixão e da leveza o que mantém a Itália refém de uma estrutura arcaica de poder? O rei a quem se vê os anéis inspira multidões, o rei a quem se vê o sorriso interior permite-se-lhe tudo.

Esta introdução para falar do momento mais marcante, aquela foto de Berlusconi de fita no cabelo, que surge mais ou menos a metade do documentário de Erik Gandini VIDEOCRACY Basta Apparire. Algo apressado pela denúncia, VIDEOCRACY é um documentário que mostra a experiência cultural de manipulação a que Berlusconi sujeitou a Itália através do controlo da televisão pública e privada. Embora surja como pano de fundo toda a informação política de que o estadista italiano se serviu para sucessivas reeleições, o foco do filme de Gandini é sobretudo sobre o retrato de uma geração pouco instruída em Itália que vive os efeitos nefastos da decadência deste star system. Sistema esse que nasceu no início dos anos 80 com o primeiro canal de Berlusconi onde um quiz show feito à tarde mobilizava milhares de italianos pois cada resposta certa dada significava que uma dona de casa incógnita, num bar como estúdio improvisado, tirava uma peça de roupa. Trinta anos passados e milhares de outros programas sobre nada, e são milhares as jovens italianas que desejam casar com futebolistas ou ter uma oportunidade como velinas (dançarinas que fazem passes de dança entre as intervenções dos apresentadores nos reality shows). A indústria dos paparazzi e revistas gossip explodiu e os agentes televisivos são vistos como novos imperadores capazes de dar ou tirar o poder.

Que a decadência da cultura de massas seja óbvia não é um exclusivo italiano. Que a dimensão da manipulação de informação e de pobres destinos seja um efeito dessa decadência também não. O interessante neste VIDEOCRACY é que neste império, ao contrário de outros, ainda há uma cabeça nobre visível a comandá-lo, dir-se-ia na «digna» linhagem de Mussolini, uma figura que em Itália não foi de longe tão escrutinada como o seu, digamos, congénere alemão. Desta forma, VIDEOCRACY permite-se ser uma espécie de plataforma para repensar estas linhagens, questionar o papel dos sorrisos e sobretudo encetar um projecto de renovação identitária que a Itália ainda não abraçou desde o pós-guerra.

sábado, 23 de abril de 2011

Eu hei-de perder leitores com este post…

Tal qual toxicodependente que não precisa de grande imaginação para justificar uma última dose, convenci-me que o nome de Wes Craven era o suficiente para me pôr a caminho de SCREAM IV. Obviamente que contra havia toda uma série de razões inclusivé o facto de todos os filmes cujo título termina em IV ou 4 serem um verdadeiro indicador da devida distância que se deve manter deles.

O argumentista original da trilogia SCREAM, Kevin Williamson já tinha percebido dos efeitos salvíficos da técnica da estrutura metanarrativa a propósito de SCREAM 3. Agora, mais de dez anos passados, no quarto segmento da história, essa metanarratividade explode como único elemento irónico, actual, que é capaz de trazer o filme para 2011. Contudo, esse sintoma de reavivar a bitchness pós-moderna dos espectadores actuais (que sendo tão «superiores» aos que foi aquilo tudo no passado ainda vão ao cinema ver partes quatro de coisas) acaba por não ser suficiente para salvar um filme cujo dilema temporal em que vive é de somenos importância quando comparado com o que trai o autor de THE HILLS HAVE EYES. A preocupação de alguém que sabe perfeitamente onde começou a vaga dos slasher movies, da importância de HALLOWEEN, de John Carpenter ou, como é repetido até à exaustão, a mecânica deste tipo de filmes, inclusive sequências clichet, ordem das mortes, etc, saberá perfeitamente que o limbo de SCREAM se produz na incapacidade de levar as suas sequelas no trilho do primeiro filme. Isto é um lugar-comum claro. Contudo, neste caso, produziu-se um efeito estranho: o assassino do primeiro filme era uma personagem que não inspirava o riso e que com a opção dos filmes seguintes se transformou numa caricarura, de identidade circulante, à la Scoobie Doo, que dispensava os conhecidos spoofs SCARY MOVIE, algo que até os próprios filmes seguintes verbalizaram sob o nome Stab. Este é um primeiro sinal de que as opções tomadas nos finais dos sucessivos filmes iam esgotando as opções narrativas surgindo cada vez mais a necessidade de um meta-discurso.

Também inexplicavelmente foram sobrevivendo sucessivamente uma tríade de personagens perfeitamente inconsequentes (Neve Campbell, Courteney Cox, David Arquette) que, à excepção da protagonista, não fazem avançar a acção, só estão lá para preencher os espaços e o tempo, adensando o vazio em que se produzem as mortes, os motivos, os set ups. Por fim, essa incapacidade de escolher entre ser um filme de terror que não inspira o riso e uma auto-paródia que faz de se olhar ao espelho o seu assunto, é evidenciado na forma como essa estratégia narrativa serve como gadget final que produz uma linguagem de escrita que rima na perfeição com os chats, blogs, câmaras, sms, telemóveis, de que SCREAM IV está cheio. É aparentemente nesta voragem da comunicação, neste olhar para teclas, ecrãs, lentes, que a morte analógica, essa, feita de sangue, motivos, tripas, só pode surgir desritualizada, passé, como coisa chata que acontece nos intervalos dessa animalidade comunicante. Dessa animalidade tecnológica o medo é só um: o off.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Aos meus pais

« (…) No way of thinking or doing, however ancient, can be trusted without proof. What everybody echoes or in silence passes by as true today may turn out to be falsehood tomorrow, mere smoke of opinion, which some has trusted for a cloud that would sprinkle fertilizing rain on their fields. What old people say you cannot do you try and find that you can. Old deeds for old people, and new deeds for new. Old people did not know enough once, perchance, to fetch fresh fuel to keep the fire a-going; new people put a little dry wood under a pot, and are whirled round the globe with the speed of birds, in a way to kill old people, as the phrase is. Age in no better, hardly so well, qualified for and instructor as youth, for it has not profited so much as it has lost. One may almost doubt if the wisest man has learned anything of absolute value by living. Practically, the old have no very important advice to give the young, their own experience has been so partial, and their lives have been such miserable failures, for private reasons, as they must believe; and it may be that they have some faith left which belies that experience, and they are only less young that they were. I have lived some thirty years on this planet, and I have yet to hear the first syllable of valuable or even earnest advice from my seniors. They have told me nothing, and probably cannot tell me anything, to the purpose. Here is life, an experiment to a great extent untried by me; but it does not avail me that they have tried it. If I have any experience which I think valuable, I am sure to reflect that this my Mentors said nothing about (…) The greater part of what my neighbors call good I believe in my soul to be bad, and if I repent of any thing it is very likely to be my good behavior. What demon possessed me that I behaved so well? (…) One generation abandons the enterprises of another like stranded vessels».

In WALDEN- Henry David Thoreau (1854)

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Movimento pela Cinemateca

Em tempos agitados como estes é reconfortante ir reconhecendo na sociedade civil alguns sinais que vêm quebrando o geral torpor em que vive. Desta feita, um grupo de cidadãos fundou um movimento apartidário que se destina a reagir contra as mais recentes medidas de estrangulamento financeiro que põem em causa o funcionamento da Cinemateca Portuguesa. Em consequência desta medida de corte económico encapotada, a Cinemateca já teve de cancelar 59 das suas sessões, fechar temporariamente uma das suas salas, além de pela primeira vez em muitos anos não ter editado o seu depliant com a informação da programação. Isto para além da actividade de conservação do ANIM que se vê assim em risco.

Enquanto ainda se está a tentar perceber se na sequência da polémica Portaria n.º 4-A/2011 a Cinemateca disporá tout cour de menos fundos (visto que é de uma autorização do que se trata), este movimento convoca uma manifestação de apoio para dia 28 de Abril, às 21 horas, junto às instalações da Cinemateca, na Rua Barata Salgueiro, n.º 39, em Lisboa.

Para obter mais desenvolvimentos sobre este grupo consultem o seu blogue ou página do facebook.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Nenhures- Parte II

O muito contestado vencedor do Leão de Ouro de Veneza do ano transacto, SOMEWHERE, de Sofia Coppola, teve de lidar com várias acusações. Que tinha havido favorecimento pois o presidente do júri era um antigo namorado, a saber, Quentin Tarantino. Que era de uma indignidade retratar o dilema de jovens estrelas de cinema quando tanta gente pelo mundo sofria realmente. Que o filme era uma mera repetição da fórmula de sucesso de LOST IN TRANSLATION, etc, etc.

O curioso é que sem termos que negar qualquer destes pontos, SOMEWHERE continua a ser uma obra ímpar no panorama da construção de um discurso cinematográfico sobre o tédio (algo que a dissolução das identidades traçadas com o cinema dito moderno iniciou mas como deambulação de um eu que recusava estar fechado no espartilho da representação). Aqui, o tédio de Johnny Marco (Stephen Dorff), absolutamente demolidor a construir em filigrana o vazio, o aimless do filme, tem muito menos que ver com uma maldição do génio do criador (como no ennui baudelairiano) ou como condição do ser (como no existencialismo de Sartre) mas sobretudo uma verdadeira perturbação do mecanismo do desejo.

A mecânica do velamento / desvelamento, que faz do objecto de desejo um telos diário no humano, surge, no interior dos espaços de habitação (espaços públicos ou semi-públicos sem marcas de familiaridade, como é o caso do Hotel Chateau Marmont em que vive Marco, como o era com o palácio de Versailles de MARIE ANTOINETTE) como algo absolutamente à mercê, como algo que provoca o sono (veja-se a aparente narcolepsia de Marco em momento «decisivo»). Esse sono provém da descoincidência do real com a expectativa que este pode ser capaz de produzir.

Desta forma, é injusto falar-se de dilemas de estrelas a propósito de SOMEWHERE, ou mesmo, partindo da restante filmografia de Coppola, quando na verdade o que está em causa é essa turbação do mecanismo do desejo que afunda as sociedades pós-industriais. Essa desproporção entre o investimento feito «no viver» e o seu resultado, tem como tradução visual uma dessincronia: como se tudo o que Marco vive tivesse sido concebido à sua medida embora sem prever que este estivesse uns centímetros mais à esquerda ou mais acima. Essa não é uma «mariquice» ensimesmada, como muitos querem fazer querer, trazida à baila por uma mimada que resolveu ser realizadora e não tem histórias a sério para contar, mas sim como algo da ordem da desorganização do político face aos seus destinatários. O zoom in sobre a máscara de gesso de Johnny ou o zoom out sobre o pai e filha a apanhar sol na piscina mostram precisamente esse «estar fora» como um detalhe absolutamente determinante para mostrar esses movimentos que o político opera no identidade do ser humano quando este pensa já não ter nada à medida.

Neste sentido, SOMEWHERE não é um manifesto de regresso às coisas simples da vida, nem sequer uma apologia do amor e reunião familiares. Trata-se de um maciço movimento no sentido da sincronia. Da sincronia das coisas face às suas intenções e emoções. Que essa sincronia surja do contacto com a extraordinária actriz que já é Elle Fanning é um bónus. Que essa sincronia seja vista como «solução» para este estado de coisas já é uma outra questão...

domingo, 10 de abril de 2011

Road to Nenhures


Basta fazer uma breve digressão pela insólita filmografia de Monte Hellman, nome de culto do cinema independente norte-americano da década de sessenta e setenta, para perceber a importância que a estrada desempenhou na sua carreira. Temos aí a estrada quente, infindável, que foi percorrida pelas suas personagens como por exemplo a de Warren Oates e de James Taylor em TWO-LANE BLACKTOP. Mas sobretudo a estrada que o próprio Hellman foi trilhando, estrada marcada por uma vincado sentimento de liberdade e de indeterminação, que permite ver os seus filmes - seja como realizador, seja como produtor executivo de Tarantino, second unit director de Fuller, Leone ou Paul Verhoeven em ROBOCOP – mais como uma série de encontros artísticos em cada “paragem” que ia fazendo, uma verdadeira e digna colecção de falhanços, e menos como construção de uma carreira.

Não é assim de estranhar que haja um regresso ao tema da estrada neste ROAD TO NOWHERE, mais de vinte anos depois de IGUANA, sua última longa-metragem. Mas agora a estrada é outra. Uma estrada mais difícil de percorrer porque além das limitações orçamentais que toda a vida foram uma preocupação, juntou-se-lhe agora a dimensão do tempo. Outras pessoas habitam a estrada, a percorrem, falam pura e simplesmente nela.

A estrada que Hellman escolheu para este ROAD TO NOWHERE é uma plataforma que lhe permite pensar um argumento que põe os filmes dentro dos filmes, os factos dentro das ficções e as concepções de cinema dentro de outros cinemas. Seja ou não declarada a influência linchiana, ou a de Hitchcock, para o caso pouco importa, o certo é perceber que o desprendimento que se esperava de Hellman é convertido numa relação no qual o filme parece circular, ou melhor, oscilar sempre entre dois pólos opostos que não são o facto e a ficção. Antes a luta entre a contemporaneidade da qual o filme se quer valer, e as marcas de alguém que está fora dessa relação e converte o novo em ironia, numa ironia de actualidades. É o que os velhos fazem aos novos, diga-se. Ou seja, a estrutura metanarrativa, a pseudo-tensão linchiana de uma história retalhada, mal representada, onde se espera que o charme dos actores seja posto a render e uma Canon 5D de um lado, numa das mãos. E na outra, a banda sonora de Tom Russell sobre os filmes que são sonhos e a ironia sobre o facebook/myspace, vertidos em spacebook, myface, ou as referências cinéfilas onde um casal vê Bergman, Erice, Sturges e comentam sobre como são obras-primas. Tudo elementos capazes de fazer subir a tensão a quem acha que o bom cinema, o “cinema a valer” é algo do domínio exclusivo do pretérito perfeito.

Contudo, ROAD TO NOWHERE parece querer ter como centro uma dimensão de impermanência e experimentação que têm menos a ver com, por exemplo, o uso da câmara fotográfica ou o sentimento de furtividade natural nas sequências filmadas em Roma ou Verona, e mais com um instinto de Monte Hellman para a derivação. A incapacidade de escolher entre a contemporaneidade e o classicismo ganha assim dupla leitura. Grande pecado é o do filme que tenta ser jovem procurando ilidir sem sucesso a sua condição. Grande virtude é a do filme que tem um realizador que conscientemente não tem a capacidade de tomar uma decisão quanto ao rumo do seu próprio filme. Monte Hellman decidiu assim ou teve de ser assim? É que é esse pormenor, pequenino, marginal, que me parece separar claramente a lição calma, de ancião cool que ROAD TO NOWHERE é, da errância, nervosa, transtemporal que o filme também parece ter.

domingo, 3 de abril de 2011

É já depois de amanhã

O debate promete ser escaldante e este será só mais um passo de algo que parece ser cada vez mais uma evidência. A programação da RTP2 tem de mudar e vai fazê-lo mais tarde ou mais cedo.
Apareçam!