quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A obra de arte que temos cá dentro é que é a nossa pátria

A frase que chamamos ao título é de Fernando Lemos, nome maior do surrealismo português, retratado em Luz Teimosa, documentário integrado este ano na competição nacional do Doclisboa. Para além da ressonância poética da expressão, este parece ser um bom ponto de partida para uma leitura do filme de Luís Alves de Matos. Lemos é um homem de quase 90 anos, a viver em S. Paulo, em quem, quer a arte, quer a vida, ambas verso e reverso da mesma rebeldia “avisada”, deixou marcas. Há um falso apaziguamento nas suas palavras, uma noção de revolta, contida pela sabedoria da idade. Se o artista fala da pertença a uma pátria como uma noção de menor importância subjugada à grande casa que é a sua arte, quem acredita? O preto e branco com que Alves de Matos filma o regresso do artista a Portugal, quase sessenta anos depois da sua fuga ao regime salazarista (em oposto às sequências solares e brincalhonas em S. Paulo), juntamente com a fotografia que Lemos faz desse local deixado para trás onde se definiu artisticamente numa geração surrealista composta de nomes como Fernando de Azevedo e Vespeira, mostram que a questão da pertença é ainda uma ferida que este insiste em fechar.

Nos últimos anos o documentarismo português tem mostrado particular atenção aos seus artistas fundadores de uma ideia de arte forte, significativa, como atestam, só para citar alguns exemplos, filmes como Pintura Habitada de Joana Ascensão, sobre Helena Almeida; Autografia, o olhar de Miguel Gonçalves Mendes sobre Mario Cesariny; ou jotta: a minha maladresse é uma forma de délicatesse, de Salomé Lamas e Francisco Moreira, sobre a artista plástica Ana Jotta. Em todos estes, assim como em Luz Teimosa, há uma preocupação de limpidez cinematográfica que deixa em primeiro plano os artistas retratados a sós com a sua obra e personalidade. As consequências dessa opção fazem pensar os filmes como dependentes da pessoa que retratam. Ora, o fotógrafo, artista plástico, poeta, pintor, Fernando Lemos está, nas suas próprias palavras, num processo de “curar-se por dentro para que a morte não seja velhaca”, para que a morte o encontre de forma digna e não o esqueça.

Essa soturnidade do artista faz de Luz Teimosa um filme complexo na forma como articula essa serenidade última com palavras de rebeldia, pertencentes a um passado em que o surrealismo tinha o dever estético e moral de acrescentar coisas ao real. Nesse sentido, trata-se de uma obra que apanha para si esse princípio, fazendo uso de uma linguagem surpreendente clara, mercê também da experiência do seu realizador (Fernanda Fragateiro – Lugares Perfeito; Ana Hatherly – A Mão Inteligente; João Penalva – Personagem e Intérprete) que coloca todas as ideias de realização no lugar certo. Trata-se de um olhar linear e onde pontuam ideias um tanto ou quanto rigidificadoras do resultado final: a oposição de que falámos preto e branco / cor; o regresso de Lemos a Portugal e encontro com Maria dos Anjos, uma criança, agora senhora, que Lemos fotografou em 1951; os planos estáticos de ambos; ou mesmo as sequências da leitura de poemas ou apresentação das suas fotografias. Dir-se-ia que há uma disciplina de métier sobre o artista que se definiu como “indisciplina em movimento”. Desta forma, veja-se Luz Teimosa como filme dialéctico onde quiçá a luz das portas, das janelas, do ar que entra, seja mesmo o que de mais indomável possui.

O filme passa dia 15 de Outubro, às 19:00, no Grande Auditório da Culturgest, com repetição dia 19, às 20:45, no Pequeno Auditório. A Real Ficção, produtora do filme, tem agendado para o mês de Novembro o lançamento em sala.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Jeunet em modo "make love not war"

Quem tiver seguido o trajecto cinematográfico do francês Jean-Pierre Jeunet sabe que a palavra “contenção” não é propriamente aquela que melhor define o seu talento. Após as suas primeiras curtas-metragens com Marc Caro, Delicatessen marcou o seu cartão de entrada no cinema francês, com uma paisagem cromática que não mais deixou de ambientar o seu conjunto de personagens vagamente clownescas e bizarras. O universo de Jeunet largou o seu lado mais dark e fantasista, que filmes como La Cité des Enfants Perdues e Alien: Ressurection veiculavam, e ganhou com o histerismo “pulp- fictioniano” de Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulain (o maior sucesso da história comercial do cinema francês e espécie de carta-branca à sua carreira), um “bien être” do qual não mais se conseguiu desenvencilhar.

Cinco anos após Un long dimanche de fiançailles, Jeunet volta à carga com Micmacs- à Tire-Larigot, (expressão do calão francês que significa loucura sem limites) e desta feita aponta a sua arma, feita de lirismo sem rédea e boas intenções, à indústria do armamento. Bazil (Dany Boon, Bienvenue chez les Ch'tis), após perder o pai devido à explosão de uma mina durante uma operação de desarmamento no deserto de Marrocos, é apanhado por uma bala perdida que se aloja no seu cérebro durante um tiroteio à porta do clube de vídeo onde trabalha. Backstories despachadas numa penada - e basta ver as duas sequências iniciais de Micmac para atestar da desenvoltura de Jeunet nesse assunto – e Bazil quer vingança. O alvo da mesma são dois líderes da indústria de armamento responsáveis pela sua situação e os seus ajudantes na missão são um grupo de vagabundos, espécie de super-heróis sem poderes e sem casa, que usam como armas, lixo reciclado. O método usado pelos heróis é o de colocar os líderes um contra o outro.

Se o filme se coloca num universo de heist movie/ revenge tale (com Yojimbo de Kurosawa na memória) a sua ambição de construir uma metáfora supra nacional, que agrade à comunidade e que veicule ideias de guerra vs. paz, é feita da pior forma possível. A comédia burlesca, de pirotecnia física na representação e excesso rocambolesco de situações, permite que as personagens funcionem como meros arquétipos, figuras abstractas que, com mera consistência cartoonesca querem, mas não conseguem, atingir um problema real. No fundo, há bons e há maus e os bons querem dar uma lição nos maus. O resto são floreadinhos, que dependente da ideia, ficarão mais ou menos tempo na cabeça do espectador.

Numa Paris que ornamenta o charme da pobreza e as lixeiras como em Amélie se mostrava o encantamento do amor nas suas ruas e cafés, Micmacs é um filme de trickery ilusionista à la Méliès, (com imensos objectos de arte/armas, que se opõem às balas), de uma presença do slapstick de Chaplin/Tati (que aqui surge despojado de ideias de maior) que confere uma artyness despropositada a um filme que fundamentalmente falha no seu “corpo”. O último plano de Micmacs é, quer queiramos quer não, precisamente uma interessante auto-citação inconsciente desse mesmo problema no cinema de Jeunet. Umas roupas que dançam por efeito mecânico, sem corpo. É isto, por muito que nos custe admitir, que é hoje o cinema de Jeunet. Um cinema sem corpo. Com roupas bonitas, que dançam ao som da música, mas sem corpo.

O filme Micmacs à Tire-Larigot de Jean-Pierre Jeunet é exibido na sexta-feira, dia 15, no âmbito da 11ª Festa do Cinema Francês, às 22:00 na sala 1 do S. Jorge. A Lusomundo detém os seus direitos para distribuição nacional, não havendo ainda data de estreia prevista em sala.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Yuki & Nina hoje à noite na Festa do Cinema Francês

O dia de hoje da 11ª Festa do Cinema Francês tem como prato forte a sessão de Yuki & Nina, de Nobuhiro Suwa e Hippolyte Girardot, com a presença deste último (às 22:00 na sala 1 do S. Jorge). O filme narra a desagregação de um casal através do olhar da filha, Yuki, e sua melhor amiga Nina. O filme esteve presente no Festival de Berlim, Cannes e San Sebastien. Agora é a vez de podermos vê-lo por cá, sendo que o filme já foi comprado pelas MIDAS Filmes.

Na mesma sala, às 19:30, o surpreendente documentário do ano em França, Benda Bilili!, de Florent de la Tullaye e Renaud Barret sobre um grupo de músicos paraplégicos, que vive nas ruas de Kinshasa no Congo e cria música a partir de instrumentos reciclados. Os realizadores estarão presentes nesta sessão que promete ser das mais alegres e ritmadas do festival.

Destaques do dia ainda para Sans Toit, Ni Loi da homenageada da Festa do ano passado Agnès Varda. O filme, a sexta aparição de Sandrine Bonnaire no grande ecrã, é uma espécie de road movie a pé, no qual Mona (Bonnaire) percorre as estradas de França sem rumo aparente. Trata-se de uma exploração das convenções da sociedade inseridas na busca do ser humano por um caminho (sala 3, 21:30, S. Jorge).

Prossegue hoje a retrospectiva de André Téchiné com o sub programa Carta Branca, onde o autor francês vai exibir algum dos seus filmes favoritos. Hoje às 21:30 na Cinemateca é a vez do Prima Della Rivoluzione, de Bernardo Bertolucci, clássico italiano que dispensa apresentações.

domingo, 10 de outubro de 2010

Amor de Pai

Esta semana apontamos a estreia em Portugal da segunda longa-metragem de Mia Hansen-Løve, Le Père de mes Enfants, vencedora do prémio especial do júri da secção Un Certain Regard, no festival de Cannes do ano transacto. Se em 2007, a esposa de Olivier Assayas e jornalista dos Cahiers, teve o que se diria uma entrada segura com Tout est Pardonné, sobre uma filha que estava a braços com o problema de toxicodependência do seu pai, agora, com 29 anos, prossegue na exploração das suas father figures, desta vez inspirado na vida e morte por suicídio daquele que teria sido o produtor de Tout est Pardonné, Humbert Balsam.

Entrecortado por um certo cinema francês, e sobretudo parisiense, de charme e melancolia urbana, não apenas pelos seus planos de genérico inicial e final, mas também pela sua estrutura narrativa cadenciada, Le Père de mes Enfants oscila entre um retrato do interior da indústria cinematográfica francesa e a dor familiar provocada por uma perda inexplicável.

Grégoire Canvel (Louis-Do de Lencquesaing) é um produtor de sucesso, com já vários filmes no currículo, e que está a braços com uma dívida da sua produtora que ascende a milhões. Entre encontros com credores e funcionários de bancos, o homem que apesar de “ser uma pessoa difícil, gosta de bom cinema”, tenta levar a bom porto a produção de “Saturno”, um filme a ser rodado na Suécia, constantemente adiado devido a problemas financeiros e à personalidade difícil do seu realizador “genial” (a alusão a Von Trier, de quem Humbert produziu Manderlay, é clara).

Nos intervalos familiares, entre chamadas de telemóvel, Grégoire assiste ao teatrinho em que as suas filhas mais novas o parodiam, ou parte de férias com a sua família para Itália num dos seus momentos mais solares do filme. E sem que se estrague esta proposta de perda que é Le Pére de Mes Enfants, diga-se que subitamente Grégoire deixa a sua mulher, Sylvia, viúva, e as suas filhas, órfãs, dando um tiro na cabeça. Essa morte empresta ao cinema de Mia Hansen-Løve uma arquitectura sentimental em desagregação, o trajecto de uma perda, mas sobretudo uma necessidade de reflectir o legado de um homem, enquanto pai e também enquanto produtor. Estas “heranças” conjugadas com a habilidade com que a cineasta demonstra a filmar o universo infantil, mostram aquilo que o filme tem de melhor para oferecer, a sua ausência de hubris, a sua maturidade sentimental.

Embora a crítica em Cannes se tenha provavelmente revisto numa série de procedimentos que implicam a manufactura do cinema, a parte menos conseguida de Le Père de mes Enfants surge precisamente no stress ou burocracia desses momentos, isto porque é “contaminado” por uma tensão silenciosa e quase imperceptível, que conduz à morte do seu protagonista e sobretudo à ideia de que o produtor é melhor pai do que produtor. Dessa forma, é o drama familiar, antes e depois da perda, que foge às reacções inexactas das lágrimas, a grande preocupação de Mia Hansen-Løve. Se é inegável que há na cineasta uma visão do cinema, que pelos olhos de Grégoire, é filtrada pela ideia de pai e mentor artístico, não é menos verdade que essa sua visão, se alarga à perspectiva de uma jovem cineasta a começar uma carreira, aqui com eco na personagem secundária do jovem realizador que, como Mia, experienciou lateralmente a morte do “seu” produtor.

E neste sentido, Le Père de mes Enfants é menos um filme sobre o cinema e mais sobre uma relação parental, sendo que essa homenagem ao “pai” de Mia, se materializa de forma muito própria, pelos seus “filhos”. Até agora são dois, os seus dois filmes.


Ozon e Pialat hoje na Festa

O quarto dia da Festa do Cinema Francês vai ficar marcado pela estreia em Portugal de Le Refuge, de François Ozon (8 Femmes). O filme, que é exibido às 19:30 na sala 1 do S. Jorge, narra a história de Mouse (Isabelle Carré) que sobrevive a uma overdose, embora o namorado (Melvil Poupaud) não tenha tido a mesma sorte. Trata-se de um drama singular sobre a vontade de recuperar e superar ausências, familiares e tóxicas.

Na mesma sala, às 22:00, o thriller de Rachid Bouchareb, Hors La loi, que tem arrastado um lastro de polémica um pouco por onde tem passado, designadamente pela edição de Cannes do ano transacto. Através de 3 irmãos em conflito, Rachid mostra-nos um período quente da história argelina, o massacre de Setif em 1945.

Não esquecer ainda, às 21:30 na sala 3 do S. Jorge A Nos Amours (1983), um dos mais famosos filmes de Maurice Pialat, com Sandrine Bonnaire como protagonista. A jovem actriz, que à data contava apenas 16 anos, encarna Suzanne uma adolescente em busca de liberdade e prazer. A Nos Amours foi nomeado para o Urso de Ouro em Berlim e Bonnaire venceria o César do mesmo ano para melhor actriz revelação.

sábado, 9 de outubro de 2010

Le Père de mes Enfants amanhã na Festa do Cinema Francês

A 11ª Festa do Cinema Francês apresenta amanhã três dos seus nomeados a prémio do público. Este, como diz o nome, será atribuído pelos espectadores, consistindo em 2500 euros atribuídos à produção vencedora. O primeiro filme a ser apresentado, que já passou na sessão de abertura, é Le Concert de Radu Mihaileanu (Sala 1 do S. Jorge às 17:00).

Às 19:30, na mesma sala, é a vez de Le Père de Mes Enfants, de Mia Hansen-Love, vencedor do prémio especial do júri da secção Un Certain Regard no festival de Cannes do ano transacto. Trata-se de um drama que se baseia na história verídica do produtor de cinema francês Humbert Balsan que se suicidou aos 51 anos, devido a problemas de depressão. A sessão contará com a presença do seu actor principal, Louis-Do de Lencquesaing. O último dos filmes nomeados para o prémio do público a ser mostrado amanhã será L’Arnacouer, de Pascal Chaumeil, que estará também presente na sessão. Trata-se de uma divertida comédia romântica com Romain Duris e Vanessa Paradis sobre um negócio para acabar relações amorosas (sala 1, 22:00).


Lembramos que a homenagem a Sandrine Bonnaire prossegue na sala 3 do S. Jorge, amanhã às 21:30, com a exibição do seu único filme como realizadora, Elle S’Appele Sabine, fantástico documentário que a actriz fez sobre Sabine Bonnaire, sua irmã autista.


quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Sandrine Bonnaire abre hoje à noite a Festa do Cinema Francês

A 11º edição da Festa de Cinema Francês, com um dos melhores cartazes de sempre, arranca já hoje à noite no S. Jorge às 21:00 (sala 1) com a apresentação do filme Le Concert, do realizador romeno Radu Mihaileanu. Na sessão inaugural estarão presentes a actriz francesa Sandrine Bonnaire, madrinha do evento, e o actor principal do filme Alexeï Guskov.

Le Concert, vencedor do Prémio César do Cinema Francês para melhor música e melhor som, narra a história de Andreï Filipov, maestro da célebre Orquestra Bolshoi durante o período de Brejnev. O filme repete depois no dia 9, às 17:00 na mesma sala 1 do S. Jorge.

No dia de amanhã os foques de interesse são muitos. Às 19:30, sala 1 do S. Jorge, Sandrine Bonnaire irá apadrinhar o início da secção “Uma madrinha excepcional, uma secção especial”, onde será exibido Joueuse, de Caroline Bottaro, que também estará presente. Logo a seguir, às 22:00, na mesma sala 1, Jane Birkin estará presente na sessão de 36 Vue Du Pic Saint Loup, o novo filme de Jacques Rivette. Na Cinemateca Portuguesa, às 21:30, o realizador actor Pierre Etaix irá inaugurar um ciclo sobre a sua obra. Os filmes a serem exibidos são Le Soupirant (1963) e En Pleine Forme (2010).

Destaque ainda para a primeira apresentação dos dois programas sobre as melhores curtas do prestigiado festival Clermont-Ferrand na sua edição transacta. Às 21:00 e 23:00 na sala 3 do. S. Jorge

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Ainda o MOTELx - as decepções

Triangle - Christopher Smith (UK/Australia, 2009)

Christopher Smith (Creep; Severance) é um entertainer. Esteve em Portugal para apresentar o seu mais recente filme Triangle e, por entre explicações, disse que adorava Portugal exceptuando Cristiano Ronaldo e que havia mesmo uma cena no filme inspirada num caso amoroso que teve há uns anos no nosso país aquando da sua presença no Fantasporto. Essa necessidade de cativar está presente nesta história de um grupo de amigos que vai fazer uma viagem de iate e após uma tempestade e naufrágio se vêm encurralados num misterioso cruzeiro. Se o set up peca por alguma originalidade, o cerne do filme, a sua narrativa circular e em loop, é justificada por uma colecção de elementos mais ou menos batidos que envolvem a dimensão espácio-temporal do triângulo das bermudas e o mito de Sísifo. A caracterização das personagens é bastante esquemática, as surpresas do plot um quanto previsíveis e quando Triangle se aproxima do fim, Smith lança mão de uma dimensão enternecedora que liga a protagonista Jess (Melissa Groove) ao seu filho e a um plano insistente de um gaivota. Provavelmente será lançado em Portugal, correspondendo a uma dimensão mais inóqua e mainstream do terror contemporâneo. Kill it again, Sam.








Corridor - Johan Lundberg e Johan Storm (Suécia, 2009)

Corridor é um filme que disfarça bem, até certo ponto, a sua simplicidade. Um solitário estudante de medicina vê-se, em vésperas de exames, envolvido com a sua vizinha de cima e respectivo namorado violento. Ambientado sobretudo no condómino de apartamentos onde vivem estas personagens, o filme de Johan Lundberg e Johan Storm vale pela construção de um universo claustrofóbico ambientado entre paredes opressivas e doses maciças de café e também pela paranóia de um estudante de medicina que não consegue fazer a ponte entre o que vai no seu interior e os corpos que o rodeiam (e que em última análise constituirão a sua profissão). No fundo, o dilema de Frank é mesmo esse, quando reivindica uma nota mais alta num exame ao professor dizendo-lhe que respondeu numa das perguntas com todos os sintomas que estavam no livro, este responde-lhe que se tratava de uma pergunta de desenvolvimento, que ele tinha de desenvolver. Levemente a fazer lembrar Rear Window, Corridor possui momentos de humor negro que envolvem tareia à terceira idade e vasculhar no caixote do lixo às tantas da manhã.








Survival of the Dead - George Romero (EUA, 2009)

George Romero cavou para si, sem saber, um nicho de filmes e uma temática própria que o colocam como cineasta autor do género zombie. Todos os filmes até hoje, este Survival of the Dead é o sexto, concebem uma metáfora da sociedade que coloca o zombie, o morto-vivo, como ameaça, mas também como fonte de discriminação. Zombie is the new black, por assim dizer. Paralelamente ao lado sério, o lado cómico implica formas hilariantes dos humanos se livrarem destes zombies, conferindo à metáfora uma dimensão gore. Neste último filme, a premissa é homenagear o western clássico, com filmes de Wyler e Hawks na cabeça, além da banda desenhada de Chuck Jones. Romero expande a história de uma personagem secundária de Diary of the Dead (2007), um soldado que, na luta pela sobrevivência, parte para uma ilha perto de Delaware. Nessa ilha, onde duas famílias poderosas irlandesas dominam os zombies, conseguiu-se criar uma situação estável. Contudo, quando humanos começam a morrer, a família O’Flynn quer destruir todos os zombies, enquanto os Muldoons acreditam que os zombies devem ser mantidos vivos para encontrar uma cura. A decepção deste Survival consiste no facto de a historieta que envolve estes clãs inimigos ser tratada com ligeireza em detrimento de alguns clichets do género e da necessidade de colocar zombies a trabalhar no campo, sejam eles cortadores de lenha, carteiros ou mulheres que estendem a roupa ao ar livre.


terça-feira, 5 de outubro de 2010

Ainda o MOTELx - as surpresas

The Loved Ones – Sean Byrne (Australia, 2009)

Não é frequente para um filme de “torture porn” conseguir entreter, conseguir ter outros focos de atenção para além das formas sádicas de infligir dor. Não é ainda frequente que uma premissa original como a de The Loved Ones, de Sean Byrne - uma jovem que, perante a recusa de um colega de liceu de a acompanhar ao baile de finalistas, resolve pedir ao pai que o rapte para que possam fazer um baile privado – não seja refém de um complexo de preguiça que implique isolar esta ideia original, “mostrá-la”, e não a trabalhar devidamente. Ao invés, Sean Byrne é hábil o suficiente para fazer a transição entre uma comédia dramática sobre experiências adolescentes, para uma clínica de experimentação tão kitch quanto sádica, tão estúpida quanto perversa, sobre o desejo sexual feminino reprimido, numa resposta interessante ao uso do corpo da mulher como objecto de prazer. A art direction de Robert Webb (Wolf Creek; Rogue), a representação silenciosa de Xavier Samuel e a fotografia de Simon Chapman fazem o resto.







Red, White & Blue – Simon Rumley (EUA, 2009)

O último plano deste Red White & Blue é de uma fotografia a arder numa fogueira. Momento que espelha com simplicidade o imaginário algo retro desta história de vingança, de uma honestidade assinalável e uma dupla de actores notável, Amanda Fuller e Noah Taylor. Erica é uma jovem que vive num quarto à custa de fazer a limpeza para a dona da casa. À noite percorre os bares locais em busca de parceiros sexuais ocasionais, sem que se deixe apanhar em algo mais do que sexo. Nate, um ex-veterano da guerra do Iraque, aspecto decadente e sinistro, começa a interessar-se por ela mas esta prefere manter apenas uma relação de amizade. Aqui, reside o núcleo do filme, na exposição rendilhada das suas personagens, nas decisões erradas na vida de cada um, na falta de esperança dia após dia. O olhar de Rumley é estrangeiro e sombrio e não se poupa a slow motions fora de moda, ou montagens desusadas, para construir o lado cinzento que quer explorar. Quando um ex-amante de Amanda irrompe na vida dela, há uma tragédia iminente, que cai com um peso brutal ou Red White & Blue não fosse pura e somente um drama. A violência do filme de Rumley é um grito que está contido há muitos anos, uma raiva que personagens como Carrie ou Rambo nos mostraram. Converte-se o drama no terror realista e converte-se Red White & Blue naquilo que menos se esperava de um filme de terror independente, rodado com poucos meios em Austin, Texas. Um filme largo de vistas que assume uma postura reflexiva sobre as escolhas na vida.







The Revenant – D. Kerry Prior (EUA, 2009)

Este filme foi apresentado com a seguinte premissa: o que fariam se o vosso melhor amigo começasse a apodrecer? The Revenent é uma comédia de terror, extremamente bem escrita, com admirável sentido de gag, sobre o valor da amizade. Bart morre na guerra e o seu melhor amigo Joey, a namorada Janet e a amiga desta, Wicca, assistem ao funeral. Depois de uma noite de paixão “enlutada” entre Janet e Joey, Bart sai do caixão e bate à porta do melhor amigo. Com ecos em filmes como Shaun of the Dead, Undead ou Zombieland, o mais curioso é que The Revenant rapidamente se quer qualificar não como um filme de vampiros ou zombies, mas sim como um buddie movie onde o protagonista apesar de se ver na condição de ter de beber sangue para não apodrecer, continua a ser o mesmo, a mesma boa pessoa. Uma vez resolvido o problema da subsistência, com a morte de assaltantes e outros dejectos da sociedade (lembrem-se de The Little Shop of Horrors, de Roger Corman), a história foca-se sobretudo no lado bom de Bart e, sem revelar muito mais, os amigos passam a ser uma espécie de super-heróis, já então no domínio do universo BD. Mas se Prior consegue ser hilariante no gozo aos estereótipos raciais na América, nos tiques do terror convencional (há uma cena impagável de diálogo com uma cabeça cortada), e se consegue ainda dar com dignidade o lado mais sério de The Revenent, vê-se depois refém narrativo de um dilema típico da banda desenhada. Como resolver, e pior, explicar o dilema da imortalidade das suas personagens. Prior quebra o feitiço do que de mais charmoso há no filme, a dimensão ilógica dos seus acontecimentos, e descobre que a solução é… a convenção. Mas aí já nos fez perder a atenção.


segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Vem aí o cinema francês

A Festa do Cinema Francês, na sua 11º edição, arranca já esta quinta feira, dia 7, em Lisboa, prolongando-se até 16 de Outubro. Depois a Festa continua viajando para Almada, Porto, Guimarães, Faro e Coimbra. Este ano, o certame, apadrinhado pela actriz francesa Sandrine Bonnaire apresenta em antestreia uma vintena de longas-metragens das quais merecem destaque o novo filme de Jacques Rivette, 36 Vues Du Pic Saint-loup, o novo Ozon, Le Refuge, o novo Jeunet, Micmacs à Tire-Larigot, o grande prémio do júri de Cannes deste ano, Des hommes et des dieux de Xavier Beauvois, e o vencedor sensação de Un Certain Regard do mesmo festival, Le père de mes enfants de Mia Hansen-Love. A merecer um olhar especial ainda a tresloucada comédia road movie com Gérard Depardieu Mammuth, Yuki & Nina de Nobuhiro Suwa e Hippolyte Girardot e a biopic Gainsbourg (Vie héroïque), de Joann Sfar sobre o popular cantor francês.

A Festa do Cinema Francês que no ano passado teve mais de 30 mil visitantes, contará ainda com a presença de André Techiné, um dos nomes mais reconhecidos do cinema francês, para acompanhar um ciclo integral sobre a sua obra na Cinemateca Portuguesa. Nesta haverá ainda espaço para uma outra retrospectiva integral, a de Pierre Étaix, realizador e actor, nome pouco conhecido do cinema francês com ligações fortes ao universo de Jacques Tati e Buster Keaton.

Podem consultar o resto da programação aqui.

Bats in the Belfrey vence o MOTELx

A curta-metragem de João Alves foi anunciada ontem como vencedora do prémio de melhor curta terror 2010, na sessão de encerramento do Festival Internacional de Terror de Lisboa, MOTELx. Sem termos vistos todos os filmes em competição, Bats in the Belfrey foi realmente, de longe, o melhor. Sem formação especializada, cineasta autodidacta, foi um João Alves surpreendido que veio receber o prémio ao palco, uma quantia no valor de 2000€, e revelar que o orçamento do filme foi apenas o dinheiro da cassete para mandar para o festival. Embora tivesse confessado a sua paixão pelo cinema e a sua necessidade de imitar desde cedo o que via no ecrã, nem era necessário fazê-lo, pois Bats in the Belfrey, oito minutos, é precisamente isso. Um gag de animação que incorpora essa admiração pelo cinema, num inusitado sentido de mise-en-scene espelhada em citações de detalhes famosos de filmes, cenas, géneros, desde os filmes de vampiros, passando pelo western spaghetti ou a tenacidade cool de Dirty Harry. O Júri, composto por Alain Jones, José de Matos-Cruz e José Nascimento decidiu ainda atribuir uma menção especial à curta-metragem Nocturna (2010), de Francisco Carvalho.

domingo, 3 de outubro de 2010

Romero encontra-se com os seus fãs

E eis-nos chegados ao último dia do festival MOTELx. Hoje as atenções estão naturalmente centradas no encontro de George "Zombie" Romero com o seu público. A sessão de Q&A, à qual se seguirá uma não menos esperada sessão de autógrafos, será às 16:30, na sala 1 do Cinema S. Jorge. Atenção que apesar da entrada ser livre, é necessário levantar bilhete, e a lotação é limitada à capacidade da sala.

A sessão da tarde, pelas 15:00, sala 3, é da rubrica Japão retro, com o seu último filme, House/Hausu (1977). Trata-se na primeira longa-metragem de Nobuhiko Obayashi (Tenkosei, 1982; Futari, 1992), sobre uma jovem que vai com os colegas de escola passar as férias a casa da sua estranha tia. Esta notável comédia surreal de terror, foi, à data, uma espécie de agradável alien nas bilheteiras no país do sol nascente, com a introdução das técnicas de publicidade que caracterizaram o início da carreira de Obayashi.

Outro ponto alto do dia será a presença do britânico Christopher Smith, realizador de Triangle, que passa às 19:00 em estreia nacional. Esta co-produção Austrália/ Reino Unido, baseado no mito do triângulo das Bermudas, com narrativa em puzzle, acompanha um grupo de jovens que perante uma tempestade se vêem obrigados a sair do seu bote e a refugiar-se num cruzeiro. Jess, a protagonista, tem a sensação que algo de estranho se está a passar, e, quando uma ameaça os começa a caçar um a um, as coisas complicam-se de forma avassaladora.

Às 21:34,o festival despede-se do seu público com a divulgação da curta-metragem nacional vencedora do prémio MOTELx. Segue-se nesta sessão de encerramento o norte-americano The Revenant, de D. Kerry Prior. Trata-se de uma comédia de zombies aos estilo de Shaun of the Dead ou Zombieland, sobre um soldado morto na guerra do Iraque que se ergue da sepultura e retorna a casa de um amigo. Tendo consciência da sua condição, Bart, tem de se alimentar de sangue para evitar que o seu corpo se decomponha.

Por fim, uma palavrinha ainda para Martin, de George Romero, provavelmente a sua opus maior a seguir a Night of the Living Dead. Este filme sobre um jovem que pensa ser vampiro, tão perversamente actual apesar de ser de 77, passa hoje às 19:30 na sala 3 a encerrar o ciclo dedicado ao cineasta americano.

O resto da programação pode ser consultada no site oficial do festival.
Ficam prometidas para um próximo post umas palavras sobre algumas das surpresas mais agradáveis deste festival.

sábado, 2 de outubro de 2010

Vírus, demónios de máscara e encontros sexuais com estranhos. Bem - vindos ao MOTELx

O quarto dia do MOTELx promete ser longo para os fãs do cinema fantástico e terror. Quem não apanhou ainda Amer, a homenagem giallo que está a fazer sensação este ano entre os festivais especializados, é aproveitar, com a repetição na sala 3, às 15:00.

Às 16:30, na sala 1, mais um filme da secção Japão retro. Onibaba (1964), o mais famoso filme de Kaneto Shindô, narra a história de uma mãe e de uma esposa que vivem num pântano após a partida para a guerra de um soldado, seu filho e marido. Perante a desconfiança que a nora está a trair o seu filho ausente, a mãe decide usar uma máscara. Com forte sentido alegórico sobre o período feudal e bélico japonês e a reacção das famílias às partidas inesperadas, Onibaba permanece como fábula visionária e um dos mais interessantes exemplares do cinema de terror de sempre. Sem dúvida um ponto alto do festival.

Às 19:00, sala 1, é a vez do mais recente filme do britânico Simon Rumley, Red White & Blue. Com Noah Taylor (The Preposition; Charlie and the Chocolate Factory) e Amanda Fuller (CSI; Bones) nos papéis principais, esta é a história de Erica, uma mulher que percorre os bares de Austin à noite à procura de parceiros ocasionais. Envolve-se com um vizinho mais velho, Nate, veterano na guerra do Iraque, que quer algo mais do que apenas sexo. Quando uma velha paixão entra na vida de Erica, as coisas, claro, correm mal. As expectativas para Red White & Blue são grandes depois de termos visto aqui no MOTELx, em 2007, o intenso The Living and the Dead.

Quase à mesma hora, 19:15, na sala 2, haverá um painel de discussão sobre o terror britânico. Depois de filmes como The Descent (2005) de Neil Marshall ou Eden Lake (2008) de James Watkins, teve início uma lenta invasão e crescente interesse do cinema britânico sobre o género de terror. Este debate que versará sobre as razões do fenómeno, que temas são explorados, que características tem o horror inglês, contará com Neil Marshall, Gerard Johnson (Tony, 2009), também acompanhado de Peter Ferdinando, o actor principal, Christopher Smith (Triangle, 2009), Johannes Roberts (F, 2010) e Paul Andrew Williams (Cherry Tree Lane, 2010). A entrada é livre.

Neil Marshall apresentará de seguida, 21:45, sala 1, a sua mais recente longa-metragem Centurion. O britânico que espantou o mundo com Dog Soldiers e logo a seguir The Descent, “o filme da gruta” como lhe chamam, deu-se mal com as parcerias norte-americanas. O seu penúltimo filme, Doomsday, passou despercebido entre público e circuitos comerciais. Agora, Neil investe no filme histórico, com laivos claros de violência requintada, com Centurion. Além de Marshall, estará presente Axelle Carolyn , sua mulher e actriz do filme.

Alternativamente, na sala 3 passa às 22:00 um filme que nos suscita grande curiosidade. Primal é a estreia na realização de Josh Reed, filho de Colin Eggleston (Long Weekend) e tem sido apelidado como digno sucessor dos clássicos de ozploitation australiana. Numa viagem de campismo a uma floresta australiana, uma das raparigas é contaminada por um estranho vírus, revertendo a um estado predatório e animalesco. Começa então a luta pela sobrevivência.

Nota ainda para The Life and Death of a Porno Gang do sérvio Mladen Djordjevic que tem causado sensação pelo seu lado subversivo e violento. O realizador de Made in Serbia, documentário sobre a indústria porno local, assina agora um filme sobre Marko um jovem cineasta que conhece um realizador porno com quem decide fazer pornografia artística. Em conflito com o realizador, Marko funda o seu próprio cabaret e parte para a Sérvia profunda com o intuito de apresentar os seus shows.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Senhoras e senhores, eis George Romero

À quarta foi mesmo de vez. Desde a primeira edição do MOTELx que João Monteiro e a sua equipa tentava trazer a Portugal, aquele que é o convidado imprescindível de qualquer festival de cinema de terror que se preze, George Romero. O pai do filme de zombies, e porque não dizê-lo do terror moderno, tem estado presente nas sessões da secção CULTO DOS MESTRES VIVOS inteiramente dedicado à sua obra. Ontem às 21:45, na estreia nacional do seu mais recente Survival of the Dead, foi recebido com uma zombiewalk pelos seus fãs, “rasgados e pintados” a rigor para a ocasião. Depois, foi um auditório cheio da sala 1 do S. Jorge, que recebeu com uma ovação de pé o americano. Romero anunciou que domingo, 3 de Outubro pelas 16:30 haverá um Q. & A. com o público à qual se seguirá uma sessão de autógrafos. Falou ainda de Survival, como homage aos westerns clássicos, e de Howard Hawks e William Wyler.

O sexto filme da saga iniciada com Night of the living Dead (1968), expande a história de uma personagem secundária de Diary of the Dead (2007), um soldado que, na luta pela sobrevivência, parte para uma ilha perto de Delaware. Nessa ilha, onde duas famílias poderosas irlandesas dominam os zombies, conseguiu-se criar uma situação estável. Contudo, quando humanos começam a morrer, a família O’Flynn quer destruir todos os zombies, enquanto os Muldoons acreditam que os zombies devem ser mantidos vivos para encontrar uma cura. Já muito longe da densidade que caracterizou os primeiros filmes da série, este Survival of the Dead tem propósitos de arruinar a seriedade da mitologia zombie, com influência dos cartoons de Chuck Jones, designadamente Coyote e Road Runner. Sendo o resultado atípico, o universo de Romero não beneficia muito com algumas transformações no mood, sendo que algumas cenas mais deslocadas ressuscitam quase que inevitavelmente a dimensão humana presente na metáfora morta-viva do americano. A retrospectiva prossegue nos próximos dias com Monkey Shines (dia 1, às 17:00), Creepshow (dia 2, às 17:00) e, no dia de encerramento do festival, Martin (dia 3, 19:30).

O dia de ontem foi ainda marcado pela apresentação de dois “agradáveis” psicopatas.

O primeiro é Jacques Beaulieu, mora com a sua família na 5150 Rue des Ormes, e é uma criação de Patrick Senécal, apelidado de Stephen King do Canadá. Este escreveu o romance e adaptou-o para ecrã. A lunaticidade da premissa - um pai obcecado pela realização do justo e pelo xadrês (exteriorização da luta do bem contra o mal), que lidera uma família de mãe apática e filha adolescente sobre quem recaem as suas esperanças de sucessão - conhece na competente realização de Éric Tessier um esforço de afirmação da ideia inicial. Seja pela sólida interpretação da dupla protagonista - Normand D’Amour, o psicopata, e Marc-André Grondin, a vítima - seja por essa dita insistência que transforma a loucura dos factos em visão, o certo é que este 5150 Rue des Ormes consegue ultrapassar esse percurso de descrédito e transformar-se num interessante exercício de terror. Lembre-se que o filme passa outra vez este sábado às 19:30, sala 3.

A mais agradável surpresa até agora no MOTELx, foi feita em 12 dias, com orçamento de 6.000 euros, duração de uns singelos 72 minutos e tem o simples nome Tony. Tony é um caracter study do britânico Gerard Jonhson sobre um homem estranho e solitário, desempregado, aspecto franzino, que percorre as ruas de Londres sem destino certo à procura de amizade. Contudo todos lhe passam a perna: sejam traficantes de droga, prostitutas, maridos ciumentos ou vendedores ambulantes de DVDs. O seu único refúgio é a acção dos anos 80, com Van Damme e Steven Seagall à cabeça, filmes que vê em VHS numa velha televisão. Quando um miúdo do bairro desaparece, todas as atenções se viram para esta estranha personagem. Baseado num verdadeiro serial killer que há uns anos aterrorizou Londres e que esquartejava as suas vítimas desfazendo-se dos seus pedaços através das canalizações, Tony é um impressionante retrato não da mente de um serial killer, mas de uma pessoa a quem lhe acontece matar pessoas em momentos de tensão. O mais perturbante neste pequeno grande filme não é a visão de uma Londres opressiva mas sim o facto deste Tony ser um homem que parece constantemente surpreendido pela realidade. E quando essa surpresa sai do seu controlo, este mata, quase por acidente. É essa violência tão pouco premeditada que aproxima o seu perfil de assassino do retrato de um homem comum e traz a inquietação ao seu espectador. Tony só passa uma vez no MOTELx pelo que seria muito uma boa aposta a distribuição nacional do filme.

Quanto ao dia de hoje o menu é o seguinte.
À tarde, 13:15, sala 3, tem lugar a 3ª e última sessão de curtas-metragens internacionais. Recorde-se que prossegue a mostragem das curtas nacionais, sendo que o júri deste ano, composto pelo crítico britânico Alan Jones, o realizador José Nascimento (Tarde Demais; Lobos) e o historiador José de Matos Cruz, irá atribuir à curta vencedora um prémio no valor de 2000 €, além de serviços de pós-produção no valor de 5000€.

O festival prossegue às 15:00 na mesma sala 3 com a repetição do divertidíssimo The Loved Ones, de Sean Byrne. Às 21:45 na sala 1 é a vez de F, mais um brit-horror movie, desta vez capitalizando os conflitos entre professores e alunos e recentes tiroteios em escolas. Robert Anderson, um velho professor de inglês no final de mais um dia de aulas terá de arranjar maneira de sobreviver a uma ameaça invisível, um grupo de encapuçados, que transformarão a escola numa série de corredores sinistros e salas escuras. O filme estreou apenas o mês passado no FrightFest em Londres. O realizador Johannes Roberts estará presente na sessão.

Logo a seguir, um dos destaques de todo o festival. Os belgas Hélène Cattet e Bruno Forzani estarão presentes na primeira sessão de Amer. Numa belíssima homenagem ao giallo italiano, este filme que venceu o New Visions Award em Sitges, é um ambientado exercício de estilo sobre o desejo, a carne e o terror. Deixando para segundo plano a narrativa, Amer, com os seus clássicos de música italiana dos anos 70 e cores expressivas, promete ser um festim para os apreciadores de cinema fantástico. O filme passa à 00:15 na sala 1.

Uma palavra ainda para a apresentação para Reykjavik Whale Watching Massacre, de Júlíus Kemp, primeiro filme de terror islandês. O filme que cruza Evil Dead e The Texas Chainsaw Massacre, em alto mar, passa hoje à noite às 22:00 na sala 3.

Para consultar o resto da programação, é aqui.