terça-feira, 5 de outubro de 2010

Ainda o MOTELx - as surpresas

The Loved Ones – Sean Byrne (Australia, 2009)

Não é frequente para um filme de “torture porn” conseguir entreter, conseguir ter outros focos de atenção para além das formas sádicas de infligir dor. Não é ainda frequente que uma premissa original como a de The Loved Ones, de Sean Byrne - uma jovem que, perante a recusa de um colega de liceu de a acompanhar ao baile de finalistas, resolve pedir ao pai que o rapte para que possam fazer um baile privado – não seja refém de um complexo de preguiça que implique isolar esta ideia original, “mostrá-la”, e não a trabalhar devidamente. Ao invés, Sean Byrne é hábil o suficiente para fazer a transição entre uma comédia dramática sobre experiências adolescentes, para uma clínica de experimentação tão kitch quanto sádica, tão estúpida quanto perversa, sobre o desejo sexual feminino reprimido, numa resposta interessante ao uso do corpo da mulher como objecto de prazer. A art direction de Robert Webb (Wolf Creek; Rogue), a representação silenciosa de Xavier Samuel e a fotografia de Simon Chapman fazem o resto.







Red, White & Blue – Simon Rumley (EUA, 2009)

O último plano deste Red White & Blue é de uma fotografia a arder numa fogueira. Momento que espelha com simplicidade o imaginário algo retro desta história de vingança, de uma honestidade assinalável e uma dupla de actores notável, Amanda Fuller e Noah Taylor. Erica é uma jovem que vive num quarto à custa de fazer a limpeza para a dona da casa. À noite percorre os bares locais em busca de parceiros sexuais ocasionais, sem que se deixe apanhar em algo mais do que sexo. Nate, um ex-veterano da guerra do Iraque, aspecto decadente e sinistro, começa a interessar-se por ela mas esta prefere manter apenas uma relação de amizade. Aqui, reside o núcleo do filme, na exposição rendilhada das suas personagens, nas decisões erradas na vida de cada um, na falta de esperança dia após dia. O olhar de Rumley é estrangeiro e sombrio e não se poupa a slow motions fora de moda, ou montagens desusadas, para construir o lado cinzento que quer explorar. Quando um ex-amante de Amanda irrompe na vida dela, há uma tragédia iminente, que cai com um peso brutal ou Red White & Blue não fosse pura e somente um drama. A violência do filme de Rumley é um grito que está contido há muitos anos, uma raiva que personagens como Carrie ou Rambo nos mostraram. Converte-se o drama no terror realista e converte-se Red White & Blue naquilo que menos se esperava de um filme de terror independente, rodado com poucos meios em Austin, Texas. Um filme largo de vistas que assume uma postura reflexiva sobre as escolhas na vida.







The Revenant – D. Kerry Prior (EUA, 2009)

Este filme foi apresentado com a seguinte premissa: o que fariam se o vosso melhor amigo começasse a apodrecer? The Revenent é uma comédia de terror, extremamente bem escrita, com admirável sentido de gag, sobre o valor da amizade. Bart morre na guerra e o seu melhor amigo Joey, a namorada Janet e a amiga desta, Wicca, assistem ao funeral. Depois de uma noite de paixão “enlutada” entre Janet e Joey, Bart sai do caixão e bate à porta do melhor amigo. Com ecos em filmes como Shaun of the Dead, Undead ou Zombieland, o mais curioso é que The Revenant rapidamente se quer qualificar não como um filme de vampiros ou zombies, mas sim como um buddie movie onde o protagonista apesar de se ver na condição de ter de beber sangue para não apodrecer, continua a ser o mesmo, a mesma boa pessoa. Uma vez resolvido o problema da subsistência, com a morte de assaltantes e outros dejectos da sociedade (lembrem-se de The Little Shop of Horrors, de Roger Corman), a história foca-se sobretudo no lado bom de Bart e, sem revelar muito mais, os amigos passam a ser uma espécie de super-heróis, já então no domínio do universo BD. Mas se Prior consegue ser hilariante no gozo aos estereótipos raciais na América, nos tiques do terror convencional (há uma cena impagável de diálogo com uma cabeça cortada), e se consegue ainda dar com dignidade o lado mais sério de The Revenent, vê-se depois refém narrativo de um dilema típico da banda desenhada. Como resolver, e pior, explicar o dilema da imortalidade das suas personagens. Prior quebra o feitiço do que de mais charmoso há no filme, a dimensão ilógica dos seus acontecimentos, e descobre que a solução é… a convenção. Mas aí já nos fez perder a atenção.


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