Esta semana apontamos a estreia em Portugal da segunda longa-metragem de Mia Hansen-Løve, Le Père de mes Enfants, vencedora do prémio especial do júri da secção Un Certain Regard, no festival de Cannes do ano transacto. Se em 2007, a esposa de Olivier Assayas e jornalista dos Cahiers, teve o que se diria uma entrada segura com Tout est Pardonné, sobre uma filha que estava a braços com o problema de toxicodependência do seu pai, agora, com 29 anos, prossegue na exploração das suas father figures, desta vez inspirado na vida e morte por suicídio daquele que teria sido o produtor de Tout est Pardonné, Humbert Balsam.
Entrecortado por um certo cinema francês, e sobretudo parisiense, de charme e melancolia urbana, não apenas pelos seus planos de genérico inicial e final, mas também pela sua estrutura narrativa cadenciada, Le Père de mes Enfants oscila entre um retrato do interior da indústria cinematográfica francesa e a dor familiar provocada por uma perda inexplicável.
Grégoire Canvel (Louis-Do de Lencquesaing) é um produtor de sucesso, com já vários filmes no currículo, e que está a braços com uma dívida da sua produtora que ascende a milhões. Entre encontros com credores e funcionários de bancos, o homem que apesar de “ser uma pessoa difícil, gosta de bom cinema”, tenta levar a bom porto a produção de “Saturno”, um filme a ser rodado na Suécia, constantemente adiado devido a problemas financeiros e à personalidade difícil do seu realizador “genial” (a alusão a Von Trier, de quem Humbert produziu Manderlay, é clara).
Nos intervalos familiares, entre chamadas de telemóvel, Grégoire assiste ao teatrinho em que as suas filhas mais novas o parodiam, ou parte de férias com a sua família para Itália num dos seus momentos mais solares do filme. E sem que se estrague esta proposta de perda que é Le Pére de Mes Enfants, diga-se que subitamente Grégoire deixa a sua mulher, Sylvia, viúva, e as suas filhas, órfãs, dando um tiro na cabeça. Essa morte empresta ao cinema de Mia Hansen-Løve uma arquitectura sentimental em desagregação, o trajecto de uma perda, mas sobretudo uma necessidade de reflectir o legado de um homem, enquanto pai e também enquanto produtor. Estas “heranças” conjugadas com a habilidade com que a cineasta demonstra a filmar o universo infantil, mostram aquilo que o filme tem de melhor para oferecer, a sua ausência de hubris, a sua maturidade sentimental.
Embora a crítica em Cannes se tenha provavelmente revisto numa série de procedimentos que implicam a manufactura do cinema, a parte menos conseguida de Le Père de mes Enfants surge precisamente no stress ou burocracia desses momentos, isto porque é “contaminado” por uma tensão silenciosa e quase imperceptível, que conduz à morte do seu protagonista e sobretudo à ideia de que o produtor é melhor pai do que produtor. Dessa forma, é o drama familiar, antes e depois da perda, que foge às reacções inexactas das lágrimas, a grande preocupação de Mia Hansen-Løve. Se é inegável que há na cineasta uma visão do cinema, que pelos olhos de Grégoire, é filtrada pela ideia de pai e mentor artístico, não é menos verdade que essa sua visão, se alarga à perspectiva de uma jovem cineasta a começar uma carreira, aqui com eco na personagem secundária do jovem realizador que, como Mia, experienciou lateralmente a morte do “seu” produtor.
E neste sentido, Le Père de mes Enfants é menos um filme sobre o cinema e mais sobre uma relação parental, sendo que essa homenagem ao “pai” de Mia, se materializa de forma muito própria, pelos seus “filhos”. Até agora são dois, os seus dois filmes.
Entrecortado por um certo cinema francês, e sobretudo parisiense, de charme e melancolia urbana, não apenas pelos seus planos de genérico inicial e final, mas também pela sua estrutura narrativa cadenciada, Le Père de mes Enfants oscila entre um retrato do interior da indústria cinematográfica francesa e a dor familiar provocada por uma perda inexplicável.
Grégoire Canvel (Louis-Do de Lencquesaing) é um produtor de sucesso, com já vários filmes no currículo, e que está a braços com uma dívida da sua produtora que ascende a milhões. Entre encontros com credores e funcionários de bancos, o homem que apesar de “ser uma pessoa difícil, gosta de bom cinema”, tenta levar a bom porto a produção de “Saturno”, um filme a ser rodado na Suécia, constantemente adiado devido a problemas financeiros e à personalidade difícil do seu realizador “genial” (a alusão a Von Trier, de quem Humbert produziu Manderlay, é clara).
Nos intervalos familiares, entre chamadas de telemóvel, Grégoire assiste ao teatrinho em que as suas filhas mais novas o parodiam, ou parte de férias com a sua família para Itália num dos seus momentos mais solares do filme. E sem que se estrague esta proposta de perda que é Le Pére de Mes Enfants, diga-se que subitamente Grégoire deixa a sua mulher, Sylvia, viúva, e as suas filhas, órfãs, dando um tiro na cabeça. Essa morte empresta ao cinema de Mia Hansen-Løve uma arquitectura sentimental em desagregação, o trajecto de uma perda, mas sobretudo uma necessidade de reflectir o legado de um homem, enquanto pai e também enquanto produtor. Estas “heranças” conjugadas com a habilidade com que a cineasta demonstra a filmar o universo infantil, mostram aquilo que o filme tem de melhor para oferecer, a sua ausência de hubris, a sua maturidade sentimental.
Embora a crítica em Cannes se tenha provavelmente revisto numa série de procedimentos que implicam a manufactura do cinema, a parte menos conseguida de Le Père de mes Enfants surge precisamente no stress ou burocracia desses momentos, isto porque é “contaminado” por uma tensão silenciosa e quase imperceptível, que conduz à morte do seu protagonista e sobretudo à ideia de que o produtor é melhor pai do que produtor. Dessa forma, é o drama familiar, antes e depois da perda, que foge às reacções inexactas das lágrimas, a grande preocupação de Mia Hansen-Løve. Se é inegável que há na cineasta uma visão do cinema, que pelos olhos de Grégoire, é filtrada pela ideia de pai e mentor artístico, não é menos verdade que essa sua visão, se alarga à perspectiva de uma jovem cineasta a começar uma carreira, aqui com eco na personagem secundária do jovem realizador que, como Mia, experienciou lateralmente a morte do “seu” produtor.
E neste sentido, Le Père de mes Enfants é menos um filme sobre o cinema e mais sobre uma relação parental, sendo que essa homenagem ao “pai” de Mia, se materializa de forma muito própria, pelos seus “filhos”. Até agora são dois, os seus dois filmes.
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