quinta-feira, 31 de março de 2016

Sete anos de Ordet


Então não é que o Ordet faz hoje exactamente 7 anos?
Pensei em divagações metafísicas, bombas a falar de contente, jovens trintões sem ambição, como vi há pouco no Greenberg, ou mesmo em ajoelhamentos públicos de humildade e agradecimento.
Mas ocorre-me afinal apenas esta frase de Hofmannsthal: “Amadurecer significa separar de forma mais nítida, ligar de forma mais íntima.”
Estes sete anos foram isso, um separar/ligar constante, cheio de rixas e amores, com as palavras, cheio de “certezas” descritas e confessadas para que vós as pudésseis desconcertar.
Um obrigado a todos os que cá vêm e, não se apoquentem, que é pouco provável que este “belo” bolo de aniversário venha algum dia a ser o vosso    

quarta-feira, 30 de março de 2016

Lisbon Talks = Pala Talks

Este ano os Lisbon Talks do IndieLisboa vão ter organização À pala de Walsh. Eis os temas e as datas. A lista de convidados será divulgada em breve. 

A Internet como forma-cinema
 22 de Abril, 18h00, Cinema São Jorge, Sala 2 
A crescente a cada vez mais constante presença de ecrãs, assim como as estruturas em rede da informação digital vêm-se infiltrando na matéria de cinema, nos seus temas e preocupações, mas também, e de modo mais revolucionário, na própria forma dos filmes: a sua arquitectura interna, a origem das suas imagens e o seu tratamento. Uma conversa sobre o cinema de desktop, a cultura dosclips, dos loops e dos gifs, dos links e das redes sociais.
Verhoeven, o independente megalómano 
26 Abril, 18h00, Cinema São Jorge, Sala 2
Há quem olhe Paul Verhoeven como um cineasta malabarista que tanto conseguiu o sucesso no seu país como conseguiu infiltrar-se na máquina de Hollywood e fazer grandes sucessos de bilheteira, sem perder a sua frontalidade e ironia e agora regressou ao cinema europeu como autor consagrado. Verhoeven é sem dúvida o mais megalómano dos independentes.
Televisão: o novo cinema? 
27 Abril, 18h00, Cinema São Jorge, Sala 2
Partindo da febre recente pelas séries televisivas, questionamo-nos se a televisão é o novo cinema, se o contém, se está dentro dele, se nada disso ou o seu contrário. Também procuramos descobrir, inversamente, se o cinema se está a tornar televisivo e a caminhar para a serialização. Uma conversa que partirá de um ponto de vista nacional.
Um novo cinema independente norte-americano 
29 Abril, 18h00, Cinema São Jorge, Sala 2
Uma nova força no cinema independente norte-americano parece identificar-se, consequência dos modos de financiamento alternativos e da redução progressiva dos custos de produção. O cargo de realizador já não é uma posição, os postos vão mudando de projecto para projecto e os filmes resultam de uma rede de profissionais e amigos trabalhando à vez.
Por uma política dos actores 
30 Abril, 18h00, Cinema São Jorge, Sala 2
Os pontos que aproximam e afastam o teatro do cinema são muitos e já muito explorados, no entanto, quando Vincent Macaigne é o Herói Independente há que questionar a presença de um corpo como marca autoral. Assim, uma conversa sobre uma política dos actores impõe-se: as diferenças de método, a influência do actor na leitura dos seus personagens, a abertura dos realizadores a outras formas de autoria.

terça-feira, 29 de março de 2016

Um nota a todos os cineastas-cangalheiros

No espaço de um par de dias tenho ouvido falar de filmes que homenageiam velhinhos. Vamos lá ver. É sempre bom quando prestamos a nossa homenagem em vida, ao nosso mestre. Aquela conversa, de que vale o reconhecimento depois de morto e não sei quê... Eu papo isso. Agora... é fina a fronteira entre a homenagem e uma pressa quotidiana que mete no mesmo rolo compressor a vida das pessoas e a necessidade imediata de fazer obituários em vida. Isso já é indecoroso, sobretudo quando a pessoa que homenageia, ainda para mais, pode daí vir a retirar dividendos. Se eu gosto do meu avô ou do realizador tal, que já está avançado de idade, convém ter isso em mente, que um filme com essas características pode servir como escrito post mortem ainda em vida. E isso é não só deselegante como potencialmente canibalzinho. E muitas das vezes as intenções dos realizadores nem são más, são de genuíno apreço. Mas quando deram por ela fizeram esse tal obituário e já só são cineastas-cangalheiros. E daí não vem subtil perfume...

Em caso de dúvida mais vale seguir o exemplo da sábia literatura em que a homenagem segue o caminho do "este livro é dedicado a ..." 

quinta-feira, 24 de março de 2016

Porque é preciso a todo o preço

Após tanta fraude e impostura, é reconfortante contemplar um mendigo. Ele, ao menos, não mente aos outros nem a si próprio: a sua doutrina, se é que a tem, encarna-a; não gosta do trabalho e demonstra-o; como nada deseja possuir, cultiva o seus despojamento, condição da sua liberdade. O seu pensamento resolve-se no seu ser, e o seu ser no seu pensamento. Falta-lhe tudo, é ele próprio, dura: viver imediatamente a eternidade é viver apenas um dia de cada vez. Por isso, para ele, os outros são presa da ilusão. Se depende deles, vinga-se observando-os, especialista que é do reverso dos sentimentos "nobres". A sua preguiça, de uma qualidade muito rara, faz dele um ser verdadeiramente "liberto", perdido num mundo de gente tola e iludida. Sabe mais sobre a renúncia do que a maior parte das vossas obras esotéricas. Para vos convencerdes disso, basta sairdes à rua... Mas não! Preferias os textos que pregam a mendicidade. Como nenhum consequência prática acompanha as vossas libertações, não é de admirar que o último dos mendigos valha mais do que vós. Poderia conceber-se o Buda fiel às suas verdades e aos palácios?  Não se pode ser "liberto-vivo" e proprietário. Insurjo-me contra a generalização da mentira, contra aqueles que ostentam a sua pretensa "salvação" e a esteiam numa doutrina que não emana do fundo do seu ser. Desmascará-los, fazê-los descer do pedestal a que se alçaram, pô-los no pelourinho, eis uma campanha a que ninguém devia ficar indiferente. Porque é preciso, a todo o preço, impedir aqueles que têm demasiado boa consciência de viver e morrer em paz.

in A Tentação de Existir, E. M. Cioran 

terça-feira, 22 de março de 2016

Sopa de planos, tema cabelo.

Nós não procuramos a verdade, procuramos a nossa Ariane. E em que condições Deus dos Céus!, disse João de Deus a Rosarinho poucas cenas antes de lhe esgarçar o cu. Num filme de provações e pintelhos organizados como pensamentos, talvez seja um eufemismo para as intenções de Monteiro retirar da sua A Comédia de Deus (1995) os caracolinhos da menina para se vos apresentar aqui. Ou nem tanto. Parte da cruz de Monteiro, sobretudo na sua trilogia, foi o de procurar a sua Ariane. Mas esta nunca podia constituir-se apenas pelo singelo fio da lógica e da orientação, que é como quem diz, nunca poderia decidir se os seus filmes são apenas e só filmes-pintelho ou filmes-cabelo. A ternura da canção a Rosarinho, a fita amarela que coloca no cabelo de Virgínia para que se não solte ou, mais tarde, a forma como limpa os ovos do corpo de Joaninha pertencem a esse espaço de transição entre a homenagem à sagrada deusa e a manipulação da sórdida puta. Porque a alta cultura nada é sem a baixa nos filmes de César Monteiro, também a musa nada é sem a ninfa, o infantil gelado sem a sua sombra fálica ou, claro, o cabelo sem o complemento do pintelho. Essa junção de louco e de visionário, Monteiro organiza-a mais claramente no seu filme do meio da trilogia de Deus o qual, tendo comédia no nome, é o que menos vontade de rir dá. O cabelo das suas pequenas Arianes joga sempre esse papel intermédio da suprema e séria comédia. Acariciado e admirado como sempre aconteceu com esse símbolo da feminilidade, mas também cuidado e higienizado (Não vamos usar o shampoo anti-caspa, tens o cabelo sedoso e vê-se que lavadinho) para evitar desgraças de saúde pública. E nessa corda bamboleante entre o puro e o impuro, o realizador, como hábil equilibrista, desfruta e espanta.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Dia Mundial da Poesia (ou os efeitos de uma adolescência tardia)

Se morrer
Preparas o azeite e o lume.
Luto de claridade,
Os tios distantes e as estrelas, como candeeiros.
Cerca-os pela voz do desamparo e das pessoas.
Não se brinca com o beijo final que é frio.

O nu e o morto meditarão sobre a doença,
Que na Primavera também se morre.
É possível reaver-te, corpo, cortinado, sombra?
Marca uma reunião de bolos desamparados,
E não deixes que as crianças lancem o pião.

Naquele quarto de passagem que nunca faltem:
Bengalas Bichos Palavras Circo,
Já nesta casa nunca ninguém desapareceu e não há pó.
Os macacos são aos milhares e vivem,
Descontroladamente.

(Agosto, 2011)


sábado, 19 de março de 2016

the end of an era



Because it was on that day - the day before Christmas Eve - that the dunny man made his solitary mistake.

My mother and I were having breakfast. I heard the dunny man's footsteps thumping along the driveway, with a silent pause as he hurdled my bicycle, which in my habitual carelessness I had left lying there. I heard the usual thumps, bangs and heaves. I could picture the brimming pan, secured with the special clipped lid, hoisted high on his shoulder while he held my mother's gift bottle of beer in his other, appreciative hand. Then the footsteps started running back the other way. Whether he forgot about my bicycle, or simply mistimed the jump, there was no way of telling. Suddenly there was the noise of... well, it was mainly the noise of a dunny man running full tilt into a bicycle. The uproar was made especially ominous by the additional noise - tiny but significant in context - of a clipped lid springing off.

While my mother sat there with her hands over her eyes I raced out through the fly-screen door and took a look down the drive-way. The dunny man, overwhelmed by the magnitude of his tragedy, had not yet risen to his feet. Needless to say, the contents of the pan had been fully divulged. All the stuff had come out. But what was really remarkable was the way none of it had missed him. Already you could hear a gravid hum in the air. Millions of flies were on their way towards us. They were coming from all over Australia. For them, it was a Durbar, a moot, a gathering of the clans. For us, it was the end of an era.


in Unreliable Memoirs, Clive James

quinta-feira, 17 de março de 2016

Ontem

Fui ter contigo ao dia de ontem e não te encontrei. Estranho. Estava certo que foi aí que te deixei com os teus suaves corninhos, a tua cabecinha carmim e o teu fato coçado de ninfa. Talvez tenhas ido às compras mas já passou um bocado e eu entretanto já lambi suites de cinco estrelas e empoeiradas pocilgas a ver se te pegava o rasto. Não foi aqui, em ontem, que mandaste os dentes mármore à minha cara de assalariado? Não foi sobre esta mesa de carpinteiro que me apoquentaste o coração naquele minúsculo minuto, mesmo antes de começar a noite? Não te encontro, nem toda, nem uma quarta parte de ti. Talvez tenhas deixado uma nota na gaveta do tempo, a dizer que ias e nuncas mais voltavas. Se a deixaste não dei por isso, mas queria rever-te nem que fosse para te esquecer e poder começar com os meus banhos diários. Estou sujo e preferia a tua extraordinária saliva a 300 pacotes de leite de búfula. Se estás escondida no dia de ontem a fazer pouco de mim te garanto que mas vais pagar. Vou trazer um senhor muito chato e duas ou três aranhinhas maléficas para te fazerem sair do buraco de onde me observas, toda excitadinha. Não tenho tempo para brincadeiras e as bochechas rosadas que te emprestei já me fazem falta. Aparece, onde quer que estejas. Interrompi tudo o que estava a fazer para vir aqui, até ontem, e já nem sequer me lembro deste sítio. Isto são paredes sim, mas os teus seios, diz-me, eram firmes? Ali há um reposteiro daqueles de avozinha, mas conta-me, estavas a tremer quando te apunhalei suavemente? Vou contar até 3 e vou-me embora. 

Vou tratar do jantar, migar umas couves para um alguidar rosa e fazer uma sopa. E nem penses que vou pensar nos teus cabelos enroladinhos, enquanto estiver a despir as batatas das suas roupinhas ensopadas de terra. 

Com o coração no lugar certo

Recentemente um amigo escreveu uma frase que muito me inquieta: "Sonhar é para os idiotas."

Ontem, numa reportagem na rádio com o Tino de Rans este dizia que já se habituou a que as pessoas se riam daquilo que faz. "Não se riem de mim, mas se eu dou um concerto para não sei quantas mil pessoas, riem, se me candidato a  um cargo público, riem, se escrevo um livro riem, se falo na televisão, riem." A jornalista perguntou-lhe se achava que era por inveja. E o Tino respondeu qualquer coisa como: " Não. As pessoas ficam nervosas com aqueles que sonham, e, talvez por isso, se riam."

Eu sei que sonhar não é para os idiotas. Longe disso.  E também sei que o Tino de Rans, apesar de naif, está longe de ser um idiota. O Tino não tem os meios mas tem o coração no lugar certo. Talvez a isso se possa juntar que os sonhadores são os que têm o coração no lugar certo e que avaliar a potencialidade do sonho pelos meios da sua concretização seja o derradeiro acto de idiotia. Aquele que devia proporcionar aos que o defendem uma valente risada.
Escrever para marcar a história, nunca.
Escrever para exercitar os dedos e, se possível, um ou outro músculozinho, sempre.

domingo, 13 de março de 2016

Tudo, em vão

Não há pinga de auto-comiseração em Recordações da Casa Amarela, e contudo, é tudo tão feio e tão triste. Um quarto sem serventia, metáfora de um país a pilhas, uma sexualidade gasta e venérea em compasso de espera para um fundo clarinete ou um duchesse pela boca adentro. Tudo isto é lento mesmo que se corra em volta, dinheiro há em rolos mesmo que seja para gastar mal gasto.




Não havendo trabalho de dar penas ao espectador, cada um é dono das suas. A minha é esta. Tão triste é o momento da morte de Mimi. Logo depois de João de Deus levar o cão da prostituta ao canil para ser abatido vemos, noutra cena, a senhoria com uns lençóis manchados de sangue. Ela diz a João que Mimi fez uma dessas operações e lhe morreu nos braços, subitamente. Depois, Monteiro contraria a piedade. E como na cena em que esmifra a mãe —  que trabalha de cu para o ar a lavar escadas — até ao último centavo, João entra no quarto de Mimi para ver se lhe acha o dinheiro que ela diz ter guardado no colchão ou num pote de ferro. Como se fazia na terra dela pois não acredita em bancos. E ele lá vai, a pesquisar tudo, todos os recantos do quarto. Até que finalmente dá com uma boneca no sofá que abre com uma ponta e mola. Esventradas as tripas da boneca de trapos, de lá saem, como em The Night of the Hunter de Charles Laughton, os rolinhos de notas, a massa acumulada ao longo de uma vida de prostituição. Esse é, pelo menos para mim, o momento da suprema tristeza no filme. Não porque ele lhe fique com o dinheiro (por pouco tempo, sabemos), mas sobretudo por pensar como o esforço de uma vida seja todo em prol daqueles objectos tão pequenos, insignificantes, esses rolinhos de nota de conto. Nunca a oposição entre a grandeza de uma vida, de esforço, suor, sono, humilhação, e a pequenez de um objecto, se me tornou tão clara. Quando se diz quão insignificante é a nossa vida, talvez esta seja uma destas facetas. Tão triste o esforço de Mimi. Alguém pegará nele e o levará, para sempre, como se não tivesse sido nada. Como se tivesse sido em vão. Todos nós, sempre, a cada dia que passa, em vão.

sábado, 12 de março de 2016

sexta-feira, 11 de março de 2016

Chorar na cozinha, rir na sala

Everything is a madeleine. Tudo é uma madalena, escreve o australiano Clive James no primeiro livro que dele leio, Unreliable Memoirs. Livro brilhante sobre a sua infância que tenta fazer um tanto aquilo que aponta a Proust: mais do que despoletar memórias, mantê-las numa trela curta e ordenada. Mas uma trela não tão bonitinha que não se transformem essas memórias em expressiva ficção. Para que nos serviriam então as suas descrições de aranhas como bolas de ping-pong vestidas de casaco de peles ou o rosto cansado e triste de resignação da mãe, mais forte que uma chapada, quando o pequeno Clive depositava mais uma manchinha de graxa na carpete da sala?

O raio do livro pôs-me a pensar na minha infância:

Dizem-me que era terrível, que fazia chorar crianças e dava chapadas a velhas. Não que se importassem muito, a rir-se todas bestas para aquele "anjinho loiro de caracóis" (descrição familiar, claro) agora de caronas todas acesas pelo tabefe. Partia mesas de vidro com os pés, perseguia pássaros com paus e mijava para garrafas de coca-cola que depois mandava para trás da televisão. Mas era tão fofo. Era o que diziam. Mas nem é desses feitos que queria falar agora. A madalena de hoje pertence à minha avó paterna. Dela herdei alguns traços fisionómicos e a asma. Ou talvez algo mais. Lembro-me de ir no banco de trás no carro do meu pai a caminho de casa dos avós no fim-se-semana. Viagem interminável com curvas redondas e livros nas mãos, de linhas a saltar-me doidas aos olhos. Quando finalmente chegávamos, esticávamos as pernas e eu olhava triste para o tanque de água no pátio da casa. Tanque que o Verão ou o Inverno nos impossibilitava de experimentar: verdete ou insectos, era uma água muito concorrida.

A minha avó, faces muitos vermelhas, mãos tremeliquentas e cabelo todo branco, vinha receber-nos. O meu avô expunha-se menos. Depois disto seguia-se um evento que eu não percebia bem. Lentamente a minha avó pegava na mão da minha mãe e levava-a, o mais discretamente possível, para a cozinha. Depois de fazer uma vistoria à casa toda - o topo das escadas exteriores do qual podia ver-se a fonte, a eira onde um lagarto ou outro se escapava por entre as entranhas da pedra, ou o velho aquecedor de pés da sala, mais estimulante do que o ecrã da televisão - tentava a cozinha. Mas ainda era território interdito, pois ainda lá estavam a minha avó que chorava e a minha mãe que lhe segurava na mão, acariciando-a, numa atitude consoladora.  Sei que chorava pois tinha os olhos vermelhos e a cara aguada. Uma vez alguém me disse, depois de mais um episódio destes que se repetia muita vezes, que a minha avó aproveitava este momento para fazer queixas do meu avô, desabafar. 

Nunca soube bem os motivos de tais choradeiras mas sabia que num espaço de minutos, a minha avó saía da cozinha e vinha ter comigo à sala. Sentava-se ao meu lado no sofá, às vezes era de noite e ficávamos assim um tempo, ora de mãos dadas, ora a sorver o calor vindo do tal aquece pés. Lembro-me que às vezes um dos nós dizia uma graça (quase sempre era eu) e ficava na expectativa de ver a reacção. Se por acaso a minha avó tivesse o azar de se rir, estava tudo estragado. Não ia parar até fazer com que ela tivesse um ataque de riso. E se as piadas não chegassem, recorria-se a armas de riso maciço: as cócegas. Dedos fininhos a entrar junto às costelas e a minha avó a contorcer-se. Nessas alturas o tempo suspendia-se por uns minutos até que ambos parávamos, olhando um para o outro, bochechas a latejar e a rebentar de vermelho, a respiração ofegante. A falta de ar vinha aí, mas quem queria saber disso? 

E era assim que começava o meu fim-de-semana, ou um período de ferias, com os meus avós: sob o signo do choro e do riso. Desculpem-me as madalenas mas tenho de as aproveitar quando surgem, pois regra geral sou bem melhor a recordar as coisas que não vivi.

quinta-feira, 10 de março de 2016

quarta-feira, 9 de março de 2016

Marimbando


Excerto de O Pequeno Livro Vermelho do Estudante, Soren Hansen e Jesper Jensen (1940). Trad. portuguesa dos anos 70:

Que significa estarmo-nos marimbando?
"Estarmo-nos marimbando" é outra forma de evasão. Marimbamo-nos quando estamos chateados.

"Estarmo-nos marimbando" é não nos interessarmos mesmo nada por um professor [inserir qualquer outra coisa, por exemplo, Henrique Raposo ou uma raça de anfíbios pouco falada] que não consegue se minimamente interessante. Com frequência, "estamo-nos marimbando" porque passámos mal preparados do ano anterior, porque há regras demasiado estúpidas, ou simplesmente porque nos queremos evadir. É uma reacção normal.

Muitos estudantes "estão-se marimbando" sempre que têm um professor novo ou um professor substituto. Mas, é bom que tenham isto presente: eles podem não parecer muito bons ao princípio apenas, porque, por um lado, não estão muito seguros de si, e por outro lado, não vos conhecem. É melhor dar-lhes uma oportunidade."

(...) Mas sobretudo, lembrem-se: mesmo que o professor sejam realmente chato, "estarmo-nos marimbando" não resolve o problema. Para isso, temos de recorrer a uma atitude mais positiva.

E depois não diz qual é... Talvez seja para relacionar com outro capítulo mais à frente entitulado "O que é o "pifão?"  Querem saber o que é, não é? Leiam o livro, ora. 

terça-feira, 1 de março de 2016

Oslo Nye Antikvariat

Como não estou a conseguir comentar isto, deixo-o aqui. O fim de um alfarrabista deixa-me sempre meio melancólico. Ainda para mais se o imagino nas suas calmas tardes de Oslo (local do qual apenas possuo mítica e desconhecedora  imagem), fico duplamente comido pelo bicho da melancolia. O norte da Europa e os livros sempre exerceram sobre mim um estranho fascínio. Por motivos diferentes, ou talvez nem tanto.