sexta-feira, 20 de maio de 2016

La loi du marché


Vincent Lindon ganhou o prémio de melhor actor em Cannes no ano passado. E não é para menos pois o seu olhar é uma pára raios que atrai todas as incongruências e frustrações de um sistema que coloca em oposição valores éticos e valores económicos. Embora possa dizer-se da natureza (algo dardenniana) do projecto de La loi du marché que não é muito inovadora, não é sem interesse que assistimos à cumulação de olhares entre Brizé e Lindon. Os dois a testemunhar "as regras do jogo" - um de câmara parada no canto, o outro de olhar expectante. Dessas regras do jogo capitalista fazem parte: a formação profissional a desempregados de longa duração sem coordenação ou hipótese de reabsorção dos formandos pelo mercado; o horizonte de venda da casa (ou da roulette de férias) sempre ao preço mais baixo; ou uma entrevista de emprego por skype com a expectativa de vir a receber menos (de vir a não receber nada, de facto) como a única hipótese para sustentar a família.

Enquanto os olhares do cineasta e do personagem andam em paralelo La loi du marché é um bom, e evidente, filme. Contudo Brizé já vai dando sinais que a expectância não chega e de repente temos pena que o pobre do homem, além de tudo o mais, tenha um filho deficiente para tratar. Quando a personagem de Lindon, Thierry, arranja finalmente um emprego - como operador de video-vigilância de um supermercado, uma espécie de Pingo Doce, ou assim - Brizé preciso de "encher" o olhar do seu personagem de episódios embaraçosos para que possa explodir. A partir daqui quebra-se o paralelismo: Lindon continua a testemunhar e a câmara de Brizé já está mais próxima do olhar do director comercial da loja, que revela que, como não consegue subir os valores de venda da loja para aquele ano, tudo fará para, ao menos, reduzir no pessoal, apanhando-os, sempre que possível, em flagrante. E é isso, de repente, La loi du marché torna-se num filme que procura o embaraço mostrando que, por baixo de uma serena fabricação militante, há umas roupinhas mais ou menos hanekianas, que nos vão moendo cada vez mais a vista. 

Talvez por esta mudança, o filme de Brizé não tenha um alcance político tão interessante como poderia ter. 

Sem comentários:

Enviar um comentário