domingo, 5 de setembro de 2010

Breve nota sobre o último Wiseman

É praticamente inexplicável que nenhum dos filmes de Frederick Wiseman tenha tido até hoje estreia em sala em Portugal. La Danse representa por isso, antes de tudo o mais, uma “mostragem” oficial do documentarista vivo mais famoso do mundo ao público português. Verdadeira efeméride que não pode ser esquecida mas que não deve também ofuscar a produção de um discurso que não tenha isso em conta.

Uma vez esclarecidos, diga-se que La Danse, sendo um excepcional documentário, representa na carreira de Wiseman um filme onde o excesso e a evidência, por motivos diversos, não permitem que se fale em obra-prima (seja lá o que isso signifique ao final de contas). Falar de excesso implica fazer um juízo quase aritmético entre a produção de ideias e o tempo do filme. Falar de evidência, correndo o risco da injustiça, leva-nos à evolução histórica da linguagem documental, da qual Wiseman se tornou um dos pilares, e à apropriação que se fez da sua forma descomprometida de “velar” as instituições, extirpando protagonismos, narrativas, voice overs, etc. Essa apropriação torna La Danse apenas um filme de Wiseman, sendo que milhentos filmes que o seguiram já fazem, já usam (uns melhor, outros pior) essa dita linguagem. Esta é, admitimos, uma ideia perversa mas que é evidente: o pai já não pode apenas ser pai.

Mais interessante é sem dúvida o encontro do cineasta com a dança, como arte, e a necessidade que aquele sente de prolongar o movimento dos corpos com o movimento do seu “corpo tecnológico”. Nesse sentido, a deambulação de Wiseman converte o espaço num “espaço dançante” com a superior utilização dos espelhos das salas de ensaio a prolongarem o campo visível. Parte ainda desse encontro vê-se no pudor de não manchar a verdadeira dança com o cinemático, e da repetição do movimento dançado trazer densidade ao seu cinema.

Esse prolongamento da dança ao cinema obviamente que não se esgotará nos bailarinos mas na observação nos diferentes ritmos da Paris Opera Ballet, na sua dança trans-artística. E nisso, Wiseman é mestre, é esse o seu programa aliás. A instituição Paris Opera, a dita colmeia, tem esses outros corpos que dançam longe dos holofotes, a tapar buracos na parede, a servir refeições na cantina ou a aspirar. Fica-nos pois deste diálogo dança/cinema uma visão particular da primeira que transcende o ballet clássico ou a dança contemporânea e que invade a vida de uma qualquer instituição.


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