segunda-feira, 5 de julho de 2010

O naturalismo, a ver, ainda compensa


Aos 27 anos, o mexicano Carlos Reygadas abandonou uma carreira ligada ao Direito Internacional em Nova Iorque, como correspondente das Nações Unidas, para se dedicar ao cinema. Fez as provas de selecção para uma escola belga, tendo sido recusado por ser sobre-qualificado, "que estava pronto a filmar”, disseram-lhe.

Reygadas levou aquilo a peito e pouco depois regressava ao México e angariava com a sua produtora cinquenta mil dólares, o orçamento daquela que viria a ser a sua primeira longa-metragem, Japón.

Filmado em 16 mm, Cinemascope, o nascimento do cinema de Reygadas começa com uma parábola de morte e redenção. Um homem, é assim o “nome” do protagonista de Japón, farto de viver na cidade do México dirige-se para a serra de Tarahumara para pôr fim à sua vida. Coxo, sobe a custo um vale (com a câmara de Reygadas a instalar-se na natureza, local do qual parece nunca mais sair) e encontra Ascencion, uma idosa com o rosto marcadíssimo, que lhe oferece um quarto no celeiro. Uma vez aqui chegado, este homem vai tentar afastar-se do que não tem remédio para que possa despojar-se da sua vida. Mas não é fácil, uma vez que a crente Ascension, as suas aulas de pintura com crianças, as sessões de marijuana, o querem trazer de volta.

E esse movimento de afastamento e recuo é também útil na leitura deste exercício naturalista de Reygadas. Ora, Japón permanece no plano longo, no recurso aos actores amadores e na quase mórbida curiosidade antropológica da ruralidade mexicana (se se explica o Japão do título, tem-se falado como o olhar de Reygadas sobre o seu México é profundamente estrangeiro, europeu), ora a câmara deambula obsessivamente, sem direcção, pelos campos, mimando o limp do homem, sublinhando a crueldade da natureza, onde porcos e pássaros são mortos e cavalos acasalam. Ora o mundo se escreve ora Reygadas escreve o mundo.


Por vezes, são as próprias personagens a reclamar o estilo do mexicano, como no longuíssimo plano da viagem no interior do carro, onde as crianças falam de gases e o pai adverte para se calarem pois estão a ouvir música. E subitamente do rádio sai, ou melhor explode, Erbarme dich, mein Gott da paixão de S. Mateus de Bach. Ou já na parte final, quando a ficção se verte em documentário e empregados do sobrinho de Ascension, ao desmantelar a casa desta, desabafam sobre as pessoas do “filme” que não lhes deram dinheiro quase nenhum.

Em Japón, esta tensão de efeitos não é chocante, é primeira obra. De alguém pronto a filmar, que traz para o panorama do cinema internacional, uma revisitação do naturalismo cinematográfico (de que Lisandro Alonso também faz parte e Martel pisca o olho). Esta porta de entrada no cinema conceituado, recorde-se que este filme venceu a Golden Camera em Cannes, tem sobretudo a ver com o facto desse naturalismo se encontrar no cruzamento cinéfilo entre a preocupação narrativa de Kiarostami e a densidade telúrica de Tarkovsky (a Reygadas chamam-no o Tarkovsky mexicano).

E esta originalidade pós moderna quer contar histórias. Até agora tem-se saído bem.

(Se Reygadas vai subir aos céus sozinho ou acompanhado dos seus “anjos”, se assuncion se ascension, isso só o tempo poderá responder.)

2 comentários: