É lugar-comum falar de redenção e/ou auto-punição no acto de colocar uma câmara pelo mundo e fazer cinema. Se existe cineasta para quem isso foi menos verbo de encher e antes traço evidente, essa pessoa foi Ingmar Bergman. E então se considerarmos este VARGTIMMEN (A HORA DO LOBO), esse literalismo explode. Baseado numa história entitulada OS CANIBAIS (que o cineasta não filmou devido a pneumonia), a A HORA DO LOBO entretanto “degradada” a filme de menor orçamento, costuma ser emparelhado com PERSONA de 66, comunhando quer nomes de personagens (Alma e Elisabeth/Veronica Vogler, sendo que Liv Ullman é Alma no primeiro e Elisabeth no segundo), quer o tema da desconstrução e desdobramento do “eu” artístico. Em VARGTIMMEN essa desconstrução é mais abertamente o terror, as figuras sinistras, o universo crepuscular, e esse desdobramento surge plasmado na relação emocional de Johan e Alma, ambos numa ilha, num correlato negro de SOMMAREN MED MONIKA. “Será que as pessoas por passarem muito tempo juntas se tornam iguais, pensam o mesmo?” Ou que estes filmes por se pensarem a par dirão o mesmo, um mudo outro de voz nítida? Se PERSONA foi a obra aclamada, a da actriz cuja “alma” terá de ser reparada, em VARGTIMMEN há uma alternância entre o trauma do pintor Johan (Max von Sydow) corporizada na tentação por Veronica Vogler e o bloqueio freudiano do próprio Bergman. Veja-se a sequência em que a serpente “afinal não mordeu” Johan, mas uma criança o faz. Considerado pelo próprio Bergman um filme demasiado pessoal do qual havia dificuldade em produzir um discurso, VARGTIMMEN tem na perdição no labirinto da alma humana, essa paisagem de verdadeiro terror, o motivo maior do seu fascínio.
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