sexta-feira, 2 de julho de 2010

Às portas do céu

Gates of Heaven de Errol Morris, a prova de que tudo é passível de documentação e que valeu a Herzog a ingestão do seu próprio sapato, é uma lição do mester. Não apenas na forma com evita os gracejos com animais mas sobretudo como a sua abordagem estilística, de planos imóveis de relato (uma marca que fica do autor para mais tarde) permite a abertura da ideia inicial, um documentário sobre cemitérios de animais, ao olho documental de Morris.

É certo que há uma extrema perspicácia na incorporação dos discursos das personagens sobre aspectos “paralelos” como o amor, a motivação para agir na vida ou os desabafos de uma idosa lúcida abandonada. É verdade ainda que o desvio ao planeado inicialmente é o cinema a falar mais forte. Mas é-o não só porque visualmente valia a pena, ou o discurso carregasse um certo ritmo intelectual interessante. É-o, sobretudo, porque as pessoas de Gates of Heaven ao falar delas próprias, sobre como encaram a relação com os seus animais, ou os filhos face à autoridade com que o pai gere o negócio, ou ainda ilusórias lições de motivação ou felicidade, estão, no fundo, a abrir a questão e a aproximar-se de um sentido de “meaningless” que caracteriza a realidade.

E, de repente, são os seres humanos às “portas do céu”, quem sabe, encontrando-se mesmo com as almas dos seus animais, como sugere uma das senhoras a quem lhe morreu o cão.

Aqui fica a melhor cena do filme onde Morris mostra como domina a arte de "fazer sentido".


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