Começando com uma evidente metáfora epidérmica diga-se que Pedro Almodóvar,
que sempre foi fã das peles extravagantes com que vestiu o kitsch do cinema
espanhol na década de 80 e 90, não veste com naturalidade esta pele: a do
thriller negro. E isto porque há uma sensibilidade ao drama, que busca o trágico
e o adorna de peripécias rocambolescas (que começou a despontar há já vários
anos, pelo menos deste TODO SOBRE MI MADRE) e que insiste em povoar o universo do
romance TARANTULA, de Thierry Jonquet, da qual parte LA PIEL QUE HABITO. Desta
forma, em lugar de acarinhar o mistério que encerra a relação das duas
personagens principais, um louco cirurgião plástico (Antonio Banderas) e a sua
cobaia (Elena Anaya) para experiências que comprometem os limites da bioética científica,
prefere explorar os habituais traumas do passado familiar, conflitos de género
e dramas finais de reencontro. E desta feita o que começa por ser um corpo estranho, despedaçado,
no mundo almodovariano - tocando o universo temático de LES YEUX SANS VISAGE, de
George Franju, fundindo, ou inserindo, o mito de Frankenstein no centro das
problemáticas contemporâneas dos gender
studies - acaba por introduzir todos estes elementos numa sensibilidade
reconhecida e reconhecível que desde MALA EDUCATION, se vem recriando, cada vez
com menos sucesso. Volta a haver números musicais quentes, exóticos q. b.
(desta feita é Concha Buika, a cantora espanhola vencedora de um Grammy em 2008
com o álbum Niña de Fuego), décors e roupas de bom gosto e um sistema de
analepses que enerva mais do que é eficaz. Contudo, tudo isto não faz mais do que
tentar criar um todo desconjuntado, plasticamente apelativo, mas sem capacidade
de criar algo novo, vivo em todas as suas partes. Ainda como Frankenstein… Digamos
que Almodóvar está transformado num bonacheirão arty, demasiado ocupado com as coisas
belas e sofisticadas da vida para escavar com imprudência o mundo destes loucos e assassinos que aqui simplesmente aflora. No genérico, Almodóvar agradece a Louise Bourgeois...
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarDesculpa, não tinha visto a classificação :)
ResponderEliminarCumprimentos
Ainda não vi, mas, de facto, pelo trailer parece-me muito Franju (mais até o "Judex" do que o "Les Yeux..."). E isso agrada-me. Vou vê-lo em breve...
ResponderEliminarNão ver um Almodóvar fica sempre mal, mas este, bem, eu dispensava-o.
ResponderEliminar:) Que fique aqui a minha discordância quanto ao "dispensava-o". Eu achei muito divertido e, até, ambicioso.
ResponderEliminarTo be continued: http://cinedrio.blogspot.com/2011/12/body-art-franju-sexy.html
Por curiosidade, gostaria que explicasse o raciocínio abreviado pelas reticências finais, pois não o entendo. Cumps.
ResponderEliminarA «colagem» ao universo de Bourgeois, ainda que tematicamente tenha uma factura visível no filme, contribui para enfraquecer, em meu entender, essa ligação ao universo Franju, tétrico e por aí fora. Mas no final das contas é só mais um detalhe pode nem ter grande relevância..
ResponderEliminarEsclarecido.
ResponderEliminarJB