quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

UMA SEPARAÇÃO de Asghar Farhadi



Os primeiros planos de UMA SEPARAÇÃO (Jodaeiye Nader az Simin), de Asghar Farhadi - o «filme dos três ursos» como já lhe chamam pois arrecadou os prémios para melhor filme, melhor actor e actriz em Berlim este ano - não podiam ser mais clarom e higiénicom. Dois bilhetes de identidade fotocopiados e uma hipótese de separação. Nesta fractura não está só em causa um casal com uma relação prestes a terminar, mas sobretudo um horizonte de separação política: é que a vida é melhor fora do Irão do que no interior dele. A esposa Simin (Leila Hatami) quer levar a sua filha para fora para lhe poder proporcionar um futuro melhor. Contudo há um problema. Ou melhor, há dois. É que Nader (Peyman Moaadi), o marido, se opõe pois quer permanecer no Irão para tratar do seu pai com Alzheimer. E a própria filha não tem vontade de ir porque quer ficar com o pai. 

Perante esta separação inconcretizada, a geográfica, Farhadi parte num hábil processo de manufactura de uma outra separação, esta in locu, de criação de espaços no atafulhado dos décors reais, dos espaços juntíssimos da separada sociedade iraniana. É nesses espaços - escadas, corrimãos, ombrais de portas, persianas, janelas – tudo câmara à mão, que Farhadi nos revela o dissensual, o novo stress que chegou à sociedade iraniana, em parte também pelas sucessivas investidas do charme ocidental.

Assim, parte uma mulher, sai de casa a esposa empreendedora, com ambições de futuro, e entra outra, também ela casada, classe baixa, que precisa de fazer pela vida. Por isso, aceita o emprego desgastante de cuidar do pai de Nader durante o dia, enquanto este está a trabalhar. E há um pequeno conflito que se agiganta, transformando a segunda metade de UMA SEPARAÇÃO num processo kafkiano de apuramento de culpas. Um périplo que passa por hospitais, tribunais, escolas e onde essa culpa, em lugar de pender para um dos lados, se dissolve docemente, dando lugar a uma outra realidade. E é aqui que está a novidade do filme de Farhadi. É que ao invés das personagens silenciosas (o pai de Nader) ou semi-silenciosas (a filha adolescente do casal) serem soluções expectáveis para o conflito que vai opor a sua família à família da mulher que eles contratam, são meros espelhos que servem uma atitude de auto-confrontação, de confronto moral. Como se o silêncio do outro nos permitisse observar de frente, com maior clareza, a nossa própria inquietação.

Desta feita, UMA SEPARAÇÃO é uma obra que vai expondo as pequenas grandes faltas, os pequenos grandes desesperos de uma sociedade em transformação. Uma sociedade que sempre soube expelir do seu interior o incómodo mas que cada vez menos convive com o trauma de uma culpabilidade interior.  Sobre esta transformação UMA SEPARAÇÃO exibe como as fendas jurídicas se mostram no tecido religioso: jurar ou não sobre o Corão?; despir ou não um idoso senil?. E os extremos valores da honra e do amor, que sempre habitaram a espinha dorsal de um modo de pensar e agir, e porque não dizê-lo do próprio cinema iraniano, dão lugar a uma belíssima exaltação de uma compaixão dos perpetradores pelos perpetradores. Um jogo afinal vicioso, sem fim, e muito muito honesto.    

A SEPARATION estreia amanhã, dia 15, em Portugal.

1 comentário:

  1. Vou fechar o ano com esse filme, para o qual parto com ELEVADÍSSIMAS expectativas. Abç,

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