Por definição, deambular significa andar sem destino aparente, vaguear, percorrer incessantemente. Bastam os primeiros minutos de MEEK’S CUTOFF para perceber que as três famílias que seguem a trilha principal no deserto do Oregon, no inóspito oeste do século XIX não deambulam, antes decidem desviar-se para obter água, por persuasão do guia Stephen Meek (Bruce Greenwood). Porque é que essa separação com que começa o filme merece destaque? Precisamente porque é ela – e especificamente o facto das suas personagens terem uma meta, a procura de água - que converte o último filme de Kelly Reichardt, reconhecida fã de road movies, não num exercício de deambulação antoniana e sim numa espécie de micro odisseia existencial, em que o abastardado género western serve pretensões, quer cinemáticas, quer teatrais.
Cinematograficamente, esse apaziguamento, esse bem-estar das personagens de Reichardt encontram «aliado» interessante na «calma» amarga de Anthony Mann ou Budd Boetticher. O resultado é aqui um western telúrico, em que as linhas do horizonte e dos riachos se cruzam lentamente em transições pictóricas, em que as armas e as lutas do oeste masculino dão lugar, não a uma «visão feminina», mas a um Oeste feito de silêncios, a uma sólida preocupação com a materialidade das acções, quaisquer que sejam – o arranjo de um sapato ou da roda de uma carruagem ou o amassar do pão. Esta é uma luta pela manufactura que se faz em territórios do cinema, pois do outro lado, MEEK’S CUTOFF é também uma história de puros valores morais, veiculados pela teatralidade.
Se tradicionalmente as peças de teatro filmadas são feitas num espaço confinado, com os diálogos a preencher o grosso do enredo, em MEEK’S CUTOFF as paisagens desérticas, monocromáticas, de uma aspereza uniforme, convocam o teatral. Trata-se de um espaço visual que, sempre igual a perder de vista, funciona como extensão do negro do teatro, do que está para além do cenário. É aqui que, apesar de também os diálogos não serem abundantes – o argumento de Jonathan Raymond não se baseia em nenhuma peça, é original – a busca pela água se verte numa busca interiorizada, metafísica. A água, essencial como a identidade, é algures «jogada» nesta história de confiança, entre o «amigo» preconceituoso que se engana constantemente sobre o cutoff, o guia Meek, e o «inimigo», o índio, em quem uns acreditam indicar o fim da procura, do jogo, a almejada meta, e outros, o fim da hostilidade geográfica e o início da hostilidade humana, ou seja, o massacre às mãos dos índios.
Seja qual for o desfecho, o que interessa a Kelly Reichardt não é a meta, mas também não é a deambulação. É antes o espaço de felicidade que pode conter a pergunta: «o que há para lá daquela colina?»
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