É escusado negar uma aura quase mística que ainda hoje rodeia CORTE DE CABELO, estreia nas longas-metragens do realizador Joaquim Sapinho. Nomeado ao Leopardo de Ouro em Locarno em 1995, o filme parte de um acontecimento trivial - o casamento civil de uma jovem que trabalha numa perfumaria (Carla Bolito) e de um realizador (Marco Delgado) e de uma «lua-de-mel» mais atribulada pela incerteza do próprio amor entre ambos do que por peripécias exteriores. O que ainda permanece forte em CORTE DE CABELO é que, por um lado, existem tiques de uma primeira obra, com o excessivo veicular de ideias demasiado sugestivas, sobretudo ao nível da mise-en-scène, fazendo de uma história comum um emaranhado de falsa complexidade, um apanhado de maneirismos que hoje vemos como ingenuidades (-«Ainda hoje de manhã éramos amigos, c*!», diz uma personagem a dada ocasião). Mas por outro, esse excesso joga pontual e inadvertidamente a favor do filme: há uma miscenização entre o tom ultra moderno do cinema europeu da altura cuja influência Joaquim Sapinho veio a beber, e um certo classicismo americano, sobretudo veiculado na montagem nas suas sequências finais (lembramo-nos da fuga de Maria e Orlando dos skinheads durante a noite). Desta feita, tratemos de elogiar a virtude da experimentação que vai do risível ao sublime em espaço de poucos minutos. Veja-se ainda a cena inicial após o genérico, na apresentação da protagonista, onde a luz, a cor, a música concebem uma atmosfera kitsch que não mais iria ser largada pelo cinema português, como na cinematografia de um cineasta como João Pedro Rodrigues, por exemplo.
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