A principal razão que explica o sucesso do conceito de SAW, e que valeu a James Wan, seu criador, a compra de uma ilha com os lucros do projecto, assenta sobretudo na capacidade de acrescentar à dimensão sangrenta e psicopata de um estilo de terror explorado até ao tutano, a estrutura de jogo sádico («I wanna play a game»), linha na qual oscilava o suspense que dita o fim ou salvação das suas vítimas. Como se o habitual dilema moralista que o terror se habitua a explorar fosse encapotado sob um agradável quebra-cabeças (passe-se a expressão) de Verão (passe-se a expressão outra vez).
Se a saga se esvaziou progressivamente de conteúdo, pendendo para o lado da enésima exploração gráfica das suas mortes, o realizador americano e o seu argumentista Leigh Whannell perceberam que era sobretudo esse lado lúdico o seu valor acrescentado. Desta clarividência surge INSIDIOUS, filme que junta a dupla à produção de Oren Peli, realizador de outro sucesso mais comedido, sem direito a ilhas, PARANORMAL ACTIVITY (2007).
Aqui o «jogo» é o das aparições - desaparições, o das mansões sombrias, seus quartos e corredores como recreio para o suspense, ou o jogo de esticar a metafísica ao limite da credulidade (à boa maneira de M. Night Shyamalan), numa homenagem ao velhinho género fantástico das casas assombradas. Josh (Patrick Wilson) e Renai (Rose Byrne) são um casal que se vê a braços com um filho comatoso (Dalton) e a presença de uma quantidade de espíritos que por alguma razão insistem em assombrar os lares desta família.
É precisamente a dupla dimensão de jogo e homenagem a um género que faz de INSIDIOUS um interessante filme de terror, na capacidade que tem de transportar em cada plano universos concorrentes. Por exemplo, a forma como a extraordinária montagem sonora - com um alarme da casa odioso que toca a meio da noite, com o ciciar do inter-comunicador ou o sinal da máquina a que está ligado Dalton - insiste em prolongar, como jogo precisamente, a agonia do invisível. E depois, há CARNIVAL OF SOULS, THE AMITYVILLE, POLTERGEIST, THE HAUNTING, DANZA MACABRA, DON’T LOOK NOW, todos património do género que James Wan conhece e que faz questão de lembrar durante INSIDIOUS.
Pode perguntar-se: e para lá do fetichismo cinéfilo há novidade? Numa altura em que a saturação de sangue e violência fazem da retracção, do «mistério», só por si, um inestimável instrumento de frisson (a insistência em sentir qualquer coisa), a táctica de Wan é já meia vitória. Ainda assim é legítimo dizer-se que quando INSIDIOUS parte para a canónica cena a dois terços do filme de explicação dos eventos, «perde-se» em projecções astrais e dimensões alternativas. Ainda assim, a noção que todos têm da truculência da coisa, de que a montanha pare ratos todos os dias, parece ser compensada pela auto-ironia. Senão como explicar a presença de Barbara Hershey, protagonista de um filme de culto muito semelhante na sua storyline, THE ENTITY (1968)? Ou a dupla de personagens «caçadores de fantasmas»? Ou mesmo a máscara inacreditável usada pela vidente?
Em suma, INSIDIOUS certamente não fará de Wan ou Whannell visionários do género. Contudo há uma dimensão artesanal em toda a recriação dos ambientes tipo que faz do filme um agradável e competente exercício de rememoração do género que se pretende homenagear.
INSIDIOUS estreia esta quinta-feira nas salas portuguesas.
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