quinta-feira, 3 de março de 2011

Harold and Maude


Uma das ideias para mim mais fascinantes de Jean Baudrillard no que diz respeito ao cinema é a de que este se coloca como uma espécie de «portal» entre aquilo que se chamou comummente a expressão cultural pré-moderna, na celebração do mito e da troca simbólica, e as expressões ditas modernas, que no advento do capitalismo, tornaram indistintas a cultura do simulacro e das massas. Desta forma, o cinema ganha um papel insubstituível pela forma como funde o que é da natureza do mito primitivo e cerimonial à comunhão própria das artes populares. Por pura ignorância sempre pensei que esse link que o cinema conseguia tinha, pela menos na minha cabeça tinha, sobretudo a ver com a qualidade da sua luz, da sua imagem.


Ao ver um filme como HAROLD AND MAUDE, de Hal Ashby é fácil compreender o meu erro. Desta relação proibida entre uma octogenária e um adolescente (Bud Cort numa expressão tão peculiar quanto Lorre), bizarria das bizarrias, fica-me a ideia que o lado cerimonial do cinema, a sua sedução, ideia tão cara ao filósofo francês, reside sobretudo numa série de afirmações, de elementos que parecem ter de ser enunciados, independentemente da capacidade de um cineasta os mostrar. Maude, segundo um olhar analítico, é uma velha com trejeitos de hippie, carregada de maneirismos, e é sobretudo, uma personagem que tem na boca o que quer dizer ao jovem suicída Harold. Mas que tem na boca sobretudo uma afirmação de vitalidade despropositada que quer a todo o custo passar ao espectador. Trata-se de um «erro narrativo», segundo a literatura que se produz sobre o assunto.

Contudo, seja Maude uma personagem erro, um coro que nos interpela, seja ele, o filme, carregado com o espírito seventies sublinhado pela intermitência da música de Cat Stevens, o certo é que há coisas que parecem terem de ser ditas no sentido de tornar a vida mais possível. Acatadas, ou não, têm de ser ditas. A sedução do cinema torna-se assim simultaneamente o poder fundador das suas imagens, mas também a celebração colectiva do puro artifício, do vazio de verdade que ainda assim é verdade. Uma verdade algures que fará sentido. Uma verdade que aqui quer convocar a nossa vontade de viver. Consegue-o? Não sei. Mas o seu esforço, o apelo à comunhão - comunhão que já nem existe hoje a não ser por portas travessas - está todo encapsulado em HAROLD AND MAUDE.

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