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Uma crise, uma catástrofe natural, uma guerra. Um triângulo de acontecimentos que, embora díspares nas suas causas, tem a uni-los, uma certa ideia: a reescrita.
A crise financeira pôs em evidência um erro histórico que mais do que antever os perigos da ficção monetária com que nos governamos há séculos, assentou sobretudo na falência de um sistema económico que deixou à «boa vontade» do indivíduo o papel directivo. Assim, não espanta que o desmoronamento do edifício financeiro no mundo ocidental surja como queda de uma ficção de créditos. Porque quando se trata uma ficção com a consciência de que é, ela própria, uma ficção perde-se a imersão. Esse distanciamento permite ver o sistema económico como falsidade, não já como ficção que tem a aparência de realidade, mas como algo abertamente postiço. Neste sentido, a crise é um movimento de falência da ficção monetária que exige reescrever a «personagem» oikonomia (do grego, governo da casa) e que exige uma nova forma do sujeito se auto sustentar numa realidade feita de casas, máquinas e alimentos. Pouco mais. Essa reescrita, não creio que passe pela consciência de um retrocesso a um sentir primitivo, ideia muito em voga por estes dias, mas antes pela pura assunção do erro. A pós-história não se pode dar ao luxo de se ausentar dos seus erros.
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E eis-nos chegados à crise portuguesa que está entre em todos estes eventos. Não pode deixar de estar. O discurso político português nada inova nos simplismos populistas que colocam a crise económica como um «inimigo invisível», um papão que há que lutar com a materialidade do quotidiano. A questão é que a nossa crise, aquela só nossa, dita lusitana, baralha as contas do sacrifício. Ao profano já não se promete hoje a sacralização de uma estabilidade económica. Promete-se uma continuidade da crise atenuada, uma via dolorosa sem norte. Uma dinâmica imparável onde o homem civilizado, contrariando a velha ortogénese do ser humano, não pode deixar de distinguir imagens que se sucedem e que chocam abruptamente. O desemprego nacional que choca com a factura da mecanização da sociedade, do «lazer eterno» que o homem reclamou para si e que faz do trabalho um bem escasso. (O trabalho em crise?) O congelamento de pensões que choca com a luta ávida pela manutenção de poder de uma cor política naturalmente desgastada. A diminuição da tributação de campos de golfe que choca com os cortes da cultura. E por aí fora.
Nesta absoluta incapacidade de separar as águas, de rever o início e o fim dos planos, uma coisa é certa. Quando todos nos pedem uma reescrita da economia portuguesa, esquecemo-nos de pensar que uma reescrita se faz a partir de um original. Ora, é hoje esse original que está em falência, que parece ser necessário escrever ex novo. É dessa ausência de algo com que fazer «uma nova versão de», que emerge a verdadeira noção de sacríficio. Contudo, mentes que querem encontrar a solução a partir do seu interior viciado, viciado porque contaminado pela ficção do real que tudo abarca, insistem em travar a «coisa». Em chamar aos jovens, «deolindos», aos «homens da luta», demagogos.
Pergunte-se, a que luta pertencem os «homens da luta»? Pertencem à luta, precisamente. Hoje como nunca é fundamental reclamar a generalização como postura intransigente, de recomeço. A uma crise abstractizada, uma luta abstracta, mas nossa.
Qual luta? A luta.
Cheguei aqui a propósito de seu comentário em meu post de 127 Horas. Alegra-me muito descobrir que existem blogs com bom conteúdo a conhecer. Passarei a visitá-lo com frequência agora.
ResponderEliminarAbraço!!!
Obrigado Pedro
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