Donde surge a inspiração poética? Milenar pergunta que surge na boca da protagonista Mija (a veterana Jeong Ye - Hun) numa aula de poesia e que é o centro do drama e da última obra do coreano, Lee Chang – Dong. A resposta do seu professor vai ser uma evidência, que é preciso «ver bem para escrever poesia», mas perante este SHI, vencedor do prémio para melhor argumento da edição do festival de Cannes do ano transacto, percebe-se que esse acto de ver é ao mesmo tempo o acto de reconstruir o mundo, ou um mundo, através da linguagem. E essa reconstrução destrói qualquer arremedo de intencionalidade dramática que lidar com a senilidade, violação, ou mesmo poesia, pareceriam implicar.
Mija é uma senhora idosa que trata de um homem incapacitado para poder sustentar Wook, seu neto adolescente. Dois eventos vêm perturbar a ordem. O neto esteve envolvido num crime e ela que começa a esquecer-se das coisas, a ficar doente. No último ano tivemos a possibilidade de ver em Portugal os esforços de uma mãe (MADEO, de Joon-Ho Bong) e de duas avós (LOLA, de Brillante Mendoza) que tentam reparar as faltas dos respectivos descendentes. Seja esta uma tradução contemporânea do muito conhecido drama familiar japonês agora cada vez com menos tempo para mono no aware(s), seja mera coincidência, o certo é que em todos eles, incluindo SHI, a força da ligação familiar ou a tragédia impossível são tratadas com a mesma lógica de impassível possibilidade.
Desta forma, Mija, vai perdendo as palavras pelo caminho, «carteira» ou «lexívia», esquece-as, para encontrar outras, palavras fundadoras, que já não têm que vir da ordem sequencial da memória e que podem muito simplesmente ser a tradução aleatória da contemplação do seu sofrimento e dos outros. Nesse sentido, neste ensimesmado character study, que é simultaneamente um art study, a resposta à pergunta de onde vem a inspiração poética é respondido da forma mais limpa e mais cruel. Ela ora nos vem da boca das Musas, ora das mãos dissimuladas das Erínias. E isso é uma evidência.
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