«Daqui por algumas semanas este menino fará as suas primeiras tentativas para pôr-se de pé e caminhar, irá de mãos ao chão vezes sem conta e ficará a olhar em frente, a cabeça dificilmente levantada, enquanto ouve a voz da mãe que lhe diz, Vem cá, vem cá, meu menino, e não muito tempo depois sentirá a primeira necessidade de falar, quando alguns sons novos começarem a formar-se na sua garganta, e ao princípio não saberá que fazer com eles, confundi-los-á com os outros que já conhecia e vinha praticando, os do grito e os do choro, porém não tardará a perceber que deve articulá-los de um modo muito diferente, mais compenetrado, imitando e ajudado pelo movimento dos lábios do pai e da mãe, até que consiga pronunciar a primeira palavra, qual ela tenha sido não sabemos, talvez papa, talvez papá, talvez mamã, o que sim sabemos é que a partir de agora nunca mais o menino Jesus terá de fazer aquele gesto do indicador da mão direita na palma da mão esquerda se a mãe e as vizinhas tornarem a perguntar-lhe, Onde é que a galinha põe o ovo, é uma indignidade a que se sujeita o ser humano, tratá-lo como um cãozito ensinado a reagir a um estímulo sonoro, voz, assobio ou estalo de chicote. Agora Jesus está capacitado para responder que a galinha pode pôr ir pôr o ovo aonde quiser, desde que o não faça na palma da sua mão.»
in O EVANGELHO SEGUNDO JESUS CRISTO - José Saramago
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