Sem ser literal, a tradução encontrada para TRUE GRIT- «Indomável» - tem a vantagem de fornecer pistas para aquilo que o último filme dos irmãos Coen contém de mais significativo. Não é novidade que a visibilidade, quer artística, quer crítica, que conquistaram se fez com um particular apoio num universo clássico de género, com particular interesse no thriller (FARGO, BLOOD SIMPLE), no noir (THE MAN WHO WASN’T THERE), ou claro, na comédia (THE LADYKILLERS, THE BIG LEBOWSKI), só para citar alguns exemplos mais óbvios. Contudo essa herança, essa ontogenia, não pode ser compreendida sem uma permanente necessidade de reformulação (em alguns casos de valores, estilo, mas noutros mesmo de tom) e reenquadramento pós-moderno sob um olhar irónico, witty como se diz. E nesse sentido, ao contrário de Clint Eastwood por exemplo, os irmãos Coen são uma espécie de classicistas cool, alunos mal comportados com boas notas.
Este interlúdio serve para dizer que no caso de muitos filmes que saíram do clássico há uma espécie de reverso que ficou por fazer, de espaço de liberdade que os realizadores não tiveram por imposições do sistema de estúdios e que agora servem na perfeição as intenções da cinematografia de gente como os irmãos Coen. É o caso de TRUE GRIT, romance de 68 do «salingeriano» Charles Portis, que adquirido pela Paramount e sob a direcção de Henry Hathaway acabou por funcionar como veículo para John Wayne vencer o único oscar da sua carreira. À altura as imposições de estúdio, a necessidade de fazer estrelar Wayne, fizeram do filme um late western um pouco imobilizado na sua estrutura de confronto/amizade entre Rooster Cogburn e Mattie Ross. Ele, Wayne com uma pala à la John Ford, uma velha raposa do Oeste, caçador de recompensas, ela, jovem precoce de 14 anos (Kim Darby na versão de Hathaway e Hailee Steinfeld na dos Coen) que quer vingar a morte do seu pai às mãos do malfeitor Tom Chaney e para isso contrata Rooster para o encontrar e trazer à justiça.
Ao ver agora a versão dos Coen, que, como se sabe não é um remake, na sua postura mais cuidada, com o alargamento a uma galeria absolutamente fascinante de personagens secundárias (Barry Pepper como Lucky Ned, Paul Rae como Emmet Quincy ou mesmo Domhall no breve papel de Moon), a atenção ao detalhe de reconstituição do Arkansas de meados do sec. XIX, ou mesmo na decisão de descentrar o drama da personagem masculina para a feminina, podemos ver que esse processo de «inchamento» de uma pequena história de vingança e determinação num «grande clássico» não deixa de trair um pouco a premissa originária. Essa traição não é completa pois, como dissemos, os irmãos Coen são muito conscientes das virtudes da pequena narração e nesse sentido TRUE GRIT não é tanto uma revisitação pontual a um género moribundo, o western, mas uma obra de uma realidade alternativa, um «imaginem lá se...».
É nesse sentido que Jeff Bridges, agora com a pala no olho direito, encarna a má disposição sardónica de Rooster como algo levado ao limite do risível. Aquela já não é só símbolo de protecção do interior ferido do herói, mas agora também espaço performativo. Como se falar a sério exigisse ter «tomates» para a ironização. E é nesse sentido, que, como se diz, «the dude meets the duke», falando-se da junção Wayne, Jeffrey Lebowski, famosa composição de Jeff Bridges em THE BIG LEBOWSKI. Nesse sentido ainda, o overacting de Bridges, até de Damon de língua rachada, terceiro elemento desta perseguição, ou o «testamento» final de Mattie Ross. Tudo são marcas que, ora nos soa a degradação de algo pequenino na sua ambição mas intocável, ora se verte em reposicionamento de um olhar. É esse movimento de perplexidade, o carácter indomável de TRUE GRIT, que é tido como o seu principal pecado. Pecado que, como qualquer um que se preze, convém estimar.
De relembrar que ontem TRUE GRIT saiu como entrou da cerimónia dos oscars: dez nomeações, zero estatuetas. Apesar de ser obviamente um dos derrotados da noite, ou se calhar por isso mesmo, merece a nossa redobrada atenção.
Diria que foi uma oportunidade desperdiçada. Oportunidade de fazer um latíssimo western (quando soube que os Coen iam resgatar esta história entusiasmei-me sem saber porquê, talvez por ser a capelinha que faltava no percurso de caracterização da América profunda, que ao fim e ao cabo é o que fará com que eles fiquem na história do cinema), e oportunidade de fazer brilhar Jeff Bridges, actor genial, cujo auge foi atingido justamente sob a direcção dos Coen, mas agora numa performance que me deixou travo na boca de incoerência.
ResponderEliminarAinda não vi, aliás, aind vi muito poucos filmes dos óscares, e os que vi não gostei eheh, mas este e o The Fighter são dos poucos que tenho curiosidade.
ResponderEliminarRAUL:a performance de Bridges é incoerente e por isso há uma muito maior homogeneidade no filme de Hathaway, ainda assim, pelo clímax final do filme dos Coen podemos ver um amor a um cinema clássico que hoje já não resulta da mesma maneira.
ResponderEliminarÁLVARO: também vi poucos dos óscares mas este e o Aranofsky valem certamente o nosso tempo.
Abraços
Acabei de o ver agora. Embora prefira muito mais o filme do Hathaway, gostei. E gostei da interpretação do Jeff Bridges.
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