quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Inocência Desprotegida




Innocence Unprotected, filmado em 1942, é considerado o primeiro filme sonoro jugoslavo. Não havia dúvidas que o regime nazi, especialista em propaganda do corpo, nunca teria aceitado este melodrama popular feito e mostrado clandestinamente numa Jugoslávia ocupada. Não porque seja um filme abertamente nocivo no seu olhar político, mas sobretudo porque oferece nas sequências dos feitos atléticos de Dragoljub Aleksic, seu realizador, e na altura símbolo de força e rectidão sérvia, uma inocência desarmante em relação à qual não se teria sabido muito bem como responder. Entre os “bíceps” de Leni Riefenstahl e os do atleta Dragoljub iria certamente uma distância que não era do domínio do corpo mas antes uma intenção que é mais a história e menos o cinema a determinar.

Contudo, estas são considerações que apenas o part-pris de ter acesso as estas imagens através do filme de Makavejev feito em 1968 permitem. Makavejev viu em Dragoljub um homem que admirava mas sobretudo uma potencialidade visual nos seus feitos registados no filme original (Aleksic foi o primeiro homem a andar pendurado pelos dentes num avião ou por ter sobrevivido a uma queda de vinte metros). A esta noção de heroicidade simplória que fascinou Makavejev, juntavam-se obviamente as limitações técnicas que implicava fazer um filme sonoro, sem meios, experiência e em condições políticas adversas. Daqui resultam os naturais erros de raccord, a excessiva imobilidade da câmara ou o artificialismo nas representações que o primeiro filme sonoro ostenta.

Seja como for, foi esta “inocência desprotegida” que Makavejev retrabalhou e transformou em Nevinost bez zastite. Makavejev procurou os actores que tinham participado no filme de 42, recolhendo depoimentos e fazendo-os regressar aos locais de filmagem e entrecortou com planos do filme original, muitas vezes tintados à mão por si e ainda imagens de arquivo de edifícios destruídos e corpos deixados pela invasão e destruição de Belgrado.


O resultado de toda esta "montagem de atracções" (Dusan admite-o) é que Nevinost contém em si uma dimensão de justiça reparadora - a reintegração das imagens que Dragoljib filmou - ainda que entretanto essa inocência inicial se tenha transformado numa outra coisa: num objecto pop entre a ficção e o documentário, de propaganda brechtiana que simultaneamente ironiza e afirma o alcance da acção propagandística. Dir-se-ia que apenas um homem como Makavejev que sabe o que é filmar sob pressão, não soube outra coisa, sob sombras censórias, poderia operar de forma tão descomplexada a ingenuidade do filme inicial.

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