A expressão era qualquer coisa como: este cinema “faz de nós espectadores novos” e foi escrita por Vasco Câmara, a propósito do filme Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives quando venceu Cannes este ano. Acho que foi esta definição do alcance do cinema do realizador tailandês de nome difícil, Apichatpong Weerasethakul, que me fez pegar no dvd de Tropical Malady (2004) e ver e ouvir por mim próprio o que este tinha a dizer.
De tal encontro, reza a lenda que:
(Da Civilização)
-reza a lenda que havia uma câmara com receio que o seu “olho” se extinguisse. Por isso, mostrava pedaços do mundo de dois homens, na esperança também que o que eles vêem e se lembram nos contamine e nos cure. Tong é apenas um amigo de soldado mas veste o uniforme na esperança de arranjar um trabalho melhor do que cortar gelo na fábrica. Keng, mais velho, o verdadeiro soldado, não quer morrer antes de conhecer o verdadeiro amor. Os dois vão ao cinema, ao centro comercial, falam com prostitutas em templos e ouvem histórias sobre a ganância de agricultores e concorrentes de concursos televisivos. A estas “wild beasts” domesticadas, Apichatpong cola-lhes um sorriso que mais do que um sinal cultural, é de uma impenetrabilidade bela que estende o fora de campo.
Mas, se isto é uma história de amor?
(Da Floresta)
-reza a lenda que entre o homem e o animal - que não são mais do que o mesmo e que estão condenados à perseguição mútua - há uma lenda que não ilustra, que não se explica. E neste set natural que é a floresta, onde a luz, a cor, a temperatura mudam por si e indicam um possível caminho da fusão entre o cinema e o mundo, um amor ancestral acontece com uma canção de felicidade. Apitchanpong filmará até ao fim, até a fusão final, este seu “remédio” para a humanidade, este seu diário íntimo, com o apoio visual de Tourneur. Mas é porque a mundividência e o estilo de Apichatpong se fundem num travelling sobre um cisne, por exemplo, que a melhor expressão para definir o seu cinema pertence a um macaco (conforme sugere Chris Barwick): “slay it if you wish to free it from its world…or be devoured, if you wish to enter it”.
Sud Pralad fará de nós "espectadores novos”? Sim, por certo, mas isso ao caso pouco interessará. O que há é uma liberdade reconfortante, enorme, que nos acompanha muito para além das suas imagens e que só pode significar uma coisa: que não devorámos mas que fomos devorados.
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