sábado, 15 de maio de 2010

Ballast - Lance Hammer



Não há dúvida que, após a hora e meia deste Ballast, o olhar de preenchimento dos seus espectadores depositarão fundadas esperanças na carreira de Lance Hammer.

Contudo, muitos falo-ão possivelmente pelas razões erradas.

Que não se espere do cineasta o prosseguir de um cinema slice of life, cru, dardenniano, de exposição da crueldade do mundo para quem a quiser ver. Ou pelo menos, que tal não se faça com base em Ballast. E isto por uma razão simples: é que, embora sim, o filme possa ser um manifesto opaco de resistência indie; e que, sim o seu protagonista seja um jovem suburbano do Delta viciado em droga, fascinado por armas, à deriva entre uma mãe com trabalho precário e um tio que aprenderá a ser pai; o certo é que a resistência dos planos de Ballast à metaforização, à leitura patusca de denúncia social, o transformam numa obra da natureza. A câmara e a luz do britânico Lol Crawley vinculam ora peso, ora leveza, num fundo em que as pessoas (não são personagens, dir-se-ia) vão vivendo ao ritmo dessa natureza que ora as comprime ora as liberta. E nessa “respiração”, o seu silêncio pode muito bem ser compensado pelos pássaros, pelos passos na terra ou pela chuva. O prolongamento dessa natureza são os 35 mm que Hammer usou, é a inusitada sensibilidade para o uso de câmara à mão e sobretudo o triângulo de não actores que vivem sempre sob a luz natural.

Obviamente que há que pensar também na sombra da devastação do Katrina, ou na estranheza do retrato de uma tal densidade no interior do universo “african american”. Mas é sobretudo a Graça (de uma simbolização carnívora) que emana do desconforto dos três, James, Martee e Lawrence, e a singularidade da viuvez deste último (a quem lhe morre o irmão gémeo; já não irão de férias juntos) que nos permanecem como insistências desta assinalável fortaleza temática e formal.

E ainda o amor.
Marlee prostrada, despedida, de mão na testa, a tomar consciência que o filho lhe está a fazer o jantar. Ou as balas espalhadas pelo terreno lamacento. Não mais Ballast acabará como começou: com uma tentativa de suicídio. Tudo por amor, um amor escondido, despercebido, martirizado ainda sem o saber. O amor de James.

Ver Ballast é assim assistir à reposição de um equilíbrio. Como quase todo o bom cinema, aliás. Só que desta feita, esse equilíbrio não é uma recuperação pós-desastre, pós-morte, é antes a serenidade trazida por esse acerto do mundo. Uma morte, a do pai, que de ausente a Ausente traz a paz. Uma paz que se adivinha silenciosa.

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