Há imagens que se infiltram na tua cabeça, nos sonhos, nos acordares, que torcem a psyche e estão lá ao pequeno almoço, e não deixam dormir e pensar. Imagens-vírus que muitas vezes queres afugentar como um mosquito zombeteiro e continuam lá à espera. Como se exigissem uma acção qualquer, uma tomada de posição, outra imagem "contra-violenta". Duas delas não me saem da cabeça.
1. A primeira é uma espécie de perverso zoom que faço cada vez que a memória me traz a tragédia da morte de George Floyd. Não consigo deixar de pensar naquela mão no bolso do polícia que o matou. O diabo está nos detalhes, e aquela mão a descansar por sobre a morte de um inocente, foi o centro de um pesadelo no outro dia. Um pesadelo do qual acordei subitamente e que, instantes depois, me dei conta que era um pesadelo real. O despeito pela vida humana num gesto menor (por relação ao homicídio, claro) e tão revelador desta cultura xenófoba, em que sempre o outro é para estar debaixo da bota.
2. A segunda é de um filme de Charles M. Seay de 1912, produzido pela companhia do Thomas Edison. "The Public and Private Care of Infants". É a história de uma mulher, mãe de gémeos, que não tendo trabalho acaba por dar um deles para ser tratado num asilo. As imagens têm um cunho documental e o filme uma ficção mascarada para alertar contra os perigos dos bebés serem deixados nestes locais, com cuidados muito reduzidos, levando à morte de muitos deles. A imagem que me vem perturbando é a de três desses bebés, subnutridos, de faces encovadas e de expressão triste. Não penso no lado documental, nem eventualmente moralista do filme. As faces encovadas daqueles bebés têm sido o prolongamento do bolso daquele homicida. Duas imagens que pesam sobre a dura realidade, e que têm a mesma função. A de fazer acordar sempre a meio da noite com a certeza do tanto que há para fazer. A de pausar entre a actividade diária e nos colocar perante o desafio de arrancarmos aqueles bolsos, de enchermos aquelas bochechas. No fundo, não colocar isto nos ombros da utopia, pois o que urge é deixar de dar às imagens matéria para o horror real.
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