sábado, 14 de fevereiro de 2015

Land of the Pharaohs



Se há filme que podia muito bem ser levado para uma segunda vida para se ver em cinemascope celestial, com um olho entalado na cobra que vem sorrateira ao som da música da flauta do filho do faraó para o matar e o outro fixando a bonomia do arquitecto Vashtar que tanto me faz pensar n'Ele, ele é Land of the Pharaohs de Howard Hawks. Ontem, na inocente presunção de que ainda me faltam uns anos para a ascensão ao trono de nuvens e home video, só conseguia pensar em três coisas:

uma. nos quadros imensos de trabalhadores devotos a construir o túmulo do Faraó, desbotados na paisagem, movendo-se como montinhos de tinta na mais calma e desordenada pintura de Hawks. Um homem a filmar manadas de gentes que avança com peso, suor, meias certezas, a caminho de uma criação colectiva. As pirâmides evocam por certo esse paradoxo do quebra cabeças de índole religiosa e política, do colectivo como ilustre tapeçaria da vontade do único todo poderoso. 

dois. naquele diálogo em que a Joan Collins, princesa e embaixadora da província de Chipre, vem ver o Faraó. Ela diz-lhe que não trouxe os tributos que este exigiu do seu povo, que se trouxe a ela própria em vez disso. Quando aquele lhe pergunta a razão de tal acto ela diz-lhe que o seu povo é pobre e que se pagassem os tributos alguns morreriam de fome. Nesse momento só conseguia pensar em Varoufakis (cuja careca dizem ser bem sexy) e na posição em que se encontra  actualmente o paryido do Syriza. É preciso escolher, diz a princesa Nellifer, diz o povo, e é o poder que deve subjugar-se a uma escolha. 

três. o mecanismo inviolável da tumba do Faraó. Os blocos de pedra a fecharem-se ante a areia que escorre é das metáforas mais graníticas para um final de filme que vi até hoje. A circulação das imagens, o tempo a passar, ambos esgotam-se como essa areia que escoa, deixando os significados, as emoções, as personagens fossilizadas, escondidas do presente. Ver Land of the Pharaohs e deixar-se ressuscitar por ele exige a tarefa de escavar essa tumba labiríntica e "invisível" que o própria História de Cinema, com a mão astuta de Hawks, encerraram.

Land of the Pharaohs é, parece-me, um filme que se vê a partir de uma outra vida, que brilha como ouro no centro de uma pirâmide. É essa a imagem que lhe é mais fiel e que o torna mais valioso do que qualquer tesouro do Faraó Khufu.

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