domingo, 23 de outubro de 2011

Twenty Cigarettes de James Benning


Em 1983, Deleuze falava-nos da potencialidade do rosto de, ao sacrificar a sua mobilidade global, poder recolher e reflectir os outros movimentos do corpo através dos seus próprios micro movimentos intensivos. Se se percebia a intenção do francês, à época, de procurar um conceito para a definição de um potencial afectivo na imagem, de um trabalho sobre o grande plano como isolador do espaço, do rosto como pedaço de um todo feito universo que ora pensa, ora sente, hoje as coisas «desrostificam-se». Ou seja, o rosto parece ir a caminho de perder esse mapeamento de uma emoção. Senão vejamos.

Um filme como TWENTY CIGARETTES de James Benning, que se recusa enquanto experiência, mas se afirma como momento feito de momentos, nos seus vinte planos aproximados de peito, permite pensar o esgotamento do rosto como pólo afectivo. Essa afectividade, que está presente no filme, é sobretudo provinda da conjunção de elementos que não hierarquizam um olhar face a uma cor ou um som do fora de campo. Nessa perspectiva, o filme de James Benning permite pensar que o que era outrora missão do rosto reflexivo está hoje a cabo também de outros elementos, sem pudores, maquínico - cinematográficos. É portanto o facto da obra de James Benning ser sobre a composição do plano, sobre a duração (sua imagem de marca, de resto) enquanto esquema que permite ao espectador ir e sair da imagem, sobre os efeitos da cor e do fumo, sobre a tentativa de apanhar o momento do não pensamento, são todos esses elementos, mais ou menos formalistas, que recusam o epíteto de filme formal, porque são eles na verdade que concorrem para que a «ficção desse lado formal» e a dimensão emocional sejam uma e a mesma coisa. É porque um homem engole o fumo e a sua maçã de Adão se mexe com tensão que nos permitimos construir alguma coisa desse gigantesco fora da imagem? Ou, inversamente, é porque há um muro de granito, porque há um cinzento e um som de tiros ocasionais que nos permitimos pensar sobre essa sua maça de Adão e o seu olhar hirto? Ou melhor, e aqui está toda a virtude deste filme, como não pensar em nenhuma anterioridade? Há nele, qualquer coisa que o torna impossível de o qualificar como experiência formal, ou ao invés, como obra sobre a narrativa de vinte cigarros fumados.

Desta forma, não há absolutamente nada de metafísico nesta obra provindo de um cigarro, seu fumo, olhar para dentro, etc. A incrível fisicalidade do filme de Benning consiste sobretudo em pensar que a alternativa ao rosto, ou melhor, o rosto dos objectos (para manter a metáfora deleuziana) está na sua absoluta exterioridade. Não são apenas as micro-acções do rosto que usamos para construir a «personagem». São os dedos, o movimento do corpo, a construção do fora de campo, a textura do campo, etc. etc. Desta forma podemos hoje pensar que todo o exterior abarca um vastíssimo interior e que é nas movimentações dessa exterioridade que podemos, a espaços, ir anulando a dimensão de isolamento e corte que atribuía Deleuze aos grandes planos.

Na verdade, já há muito que se desconfiava disto: pensar e sentir, não só não são veículos exclusivos da rostidade, como se fundem um no outro como linhas que permitem prolongar o campo no fora de campo. E isto independentemente de cada rosto apresentado ter o seu orgulhoso percurso.

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