terça-feira, 4 de outubro de 2011

Contra a nostalgia, marchar, marchar


É fácil ser nostálgico quando pensamos em Woody Allen. Longe daqueles que vaticinam nos seus últimos filmes o «fim» do grande talento do nova iorquino, ou nos antípodas, dos que a cada novo filme se lhe referem como o melhor desde ANNIE HALL, ou MANHATAN, ou outro gigante qualquer, o que convém sublinhar é que a nostalgia que sentimos não é tanto face à completude e distância de algumas das suas obras que estão já marcadas na história do cinema, mas mais uma questão de mundança de paradigma que as suas últimas obras reflectem e que o próprio faz questão de anunciar. É que este é um paradigma precisamente de valorização do presente, em «rodagem» pelas capitais eutopeias, em desfile inúmerável pelos grandes nomes na representação que têm trabalhado com Mr. Woody. As estrelas a entrarem e a saírem do system de Allen.

Além disso, é difícil não ser nostálgico quando pensamos no humor desnorteado de BANANAS, ou LOVE AND DEATH. É difícil não pensar nas paisagens adultas de SEPTEMBER ou INTERIORS, isto além dos filmes acima citados. Mas note-se que não é essa a nostalgia em causa. O que se trata é de antecipar, com a mensagem trazida por este MIDNIGHT IN PARIS - a de rejeitar uma prisão ao passado - como serão as próximas décadas na eventualidade de não termos mais a presença deste enorme filósofo de costumes e sentimentos da contemporaneidade. Esse vazio, em que não podemos deixar de pensar, é o grande amargo que nenhum happy ending, mesmo o mais ou menos fortuito de MIDNIGHT, deixa dissipar.

Trabalhando na mitificação da hora da mutação por excelência, a meia-noite, MIDNIGHT IN PARIS pode ser lido como uma variação «Cindereliana» sobre o sentimento de querer viver no passado. Nesse sentido, a técnica utilizada, fazendo lembrar THE PURPLE ROSE OF CAIRO - com o reavivar dos grandes nomes da arte em plena Paris nos anos 20 -, permite funcionar como atractivo cómico-romântico da obra. Mais, a meia-noite parisiense que começa muito pouco escura, com luz recortada e locais snapshot de um turista na cidade, também tem (como curiosamente tinha VICKY CRISTINA BARCELONA) um potencial enorme de bem-estar. Mas é aqui precisamente que o paradigma de Woody Allen vira agulhas. É preciso agora ao cineasta instalar-se no território do clichet, para o poder torcer sem que muitas vezes se dê conta, e é nesse fundo que tudo o mais gira. Começando com a já citada mensagem «nostalgia is denial», como quem diz, vivamos antes o presente, mensagem que sucedeu, sem bem se lembram, a outra, muito eminente e profética: «WHATEVER WORKS».

E como tudo já gira - esse parece-nos ser o verbo mais adequado - no seu sistema, Owen Wilson é já o perfeito Woody Allen (como não o poderia ser?, pois Woody é já do domínio público), e as outras estrelas, as maiores imortalizadas pela história (Hemingway, Dali, Buñuel, Gertrude Stein) dão-se ao luxo de embarcarem na festa, não mais do que caricaturas bem dispostas que põe a arte em perspectiva. Com essa ideia surpresa, que é também o mais fraco de MIDNIGHT IN PARIS, convivem pensamentos com expressão visual perfeitamente ímpar: como escrever a obra séria e não um mero argumento de Hollywood (o dilema do protagonista)?; será possível equiparar uma obra de arte a uma cidade, neste caso Paris?; ou essa ideia exasperada e bela, a de que só o verdadeiro amor nos faz não ter medo da morte.

Desta forma, encaixe-se o óbvio: MIDNIGHT IN PARIS é uma obra com falhas, onde muitas vezes o feeling esconde a dificuldade do craft que o argumento precisava, mas sempre com uma ressalva. A de que quando Woody Allen sublinha a beleza do presente, nos deixar com vontade de parar nele. Nostálgicos do seu presente, que é o único que nos interessa. Do futuro já não quereremos mais saber. Mesmo que Paris continue. Mesmo que a meia-noite continue a ser a hora da suspensão da percepção.



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