Ao contrário dos filmes anteriores com crianças, em 1975, Kiariostami realiza o seu primeiro filme didáctico destinado ele próprio a crianças. Em DOW RAHEHAL BARAYE YEK MASSALEH (Two Solutions for a Problem), Kiarostami explica analiticamente os resultados produzidos por uma escalada de pequenas vinganças entre duas crianças. Apresentadas num sério slapstick, estas são despoletadas pelo facto de um rapaz emprestar um livro a um colega e de este o devolver com uma página arrancada e este em consequência lhe ter partido um lápis e por aí em diante. Na solução alternativa, a da inter-ajuda mútua e do perdão, os dois rapazes permanecem amigos, numa espécie de conclusão dramática para uma curta com propósitos formativos das atitudes socais dos jovens estudantes iranianos.
No ano seguinte, em RANGHA (The Colours), o propósito foi ensinar às crianças as cores. Num ritmo rápido, esta é uma espécie de corrida pelos objectos, suas formas, onde às cores se sucedem as utilizações dos próprios objectos. E essa corrida pode até parecer-nos algo cruel com a importância dada ao vermelho e verde, cores dos semáforos que podem evitar acidentes de viação, ou o lado visual do tiro às garrafas coloridas. Conseguimos ver que o lado poético de um filme aparentemente insignificante, como seria uma breve passagem da Rua Césamo, ganha um contorno de experimentação visual e percurso cromático da nossa realidade.
Mas se a Kanun até 79 oscilou entre filmes didácticos e ficcionais, há que referir que a decepção com que termina TADJEREBEH (The Experience) em 1973, teve uma espécie de continuidade na primeira longa-metragem de Abbas Kiarostami no ano seguinte. MOSSAFER (The Traveler) não só representa um crescimento ao nível da duração da narrativa (tão estranha palavra ao universo do cineasta) como é um marco no próprio cinema iraniano, uma vez que foi o primeiro filme rodado com som directo no país. Filmado com uma Arriflex barulhenta que teve de ser envolvida numa manta, com a sincronização que só durou 4 meses, MOSSAFER mostrava o lado inverso da pedagogia. Ou melhor, como o que poderia ser ensinado podia também, muitas vezes, ser pervertido. O jovem protagonista adolescente tudo faz para arranjar dinheiro para assistir a um jogo de futebol de Teerão. Roubos, castigos, mentiras, tudo faz parte de um «código de conduta» que privilegia o sonho e o crescimento pela acção. Detectamos já em MOSSAFER alguns momentos importantes da aproximação de Kiarostami ao universo neorealista, nomeadamente na viagem do jovem protagonista pelas ruas da capital, mas também no trato naturalista que estabelece com os seus não actores. Em particular, veja-se a cena do castigo do jovem pelo professor (um castigo real que valeu um fato de treino e uma bola de futebol oferecido por Kiarostami ao garoto em troca de dez pancadas reais) ou a apreensão no seu rosto na viagem clandestina, de noite, de autocarro que o levaria ao tão almejado jogo de futebol.
Retomando a questão inicial, é interessante verificar que esta identificação com o neo-realismo, a inexplicabilidade do universo infantil, a liberdade de criação proporcionada pela Kanun, ou mesmo o seu passado na publicidade, foram dando a Kiarostami elementos suficientemente complexos com que retratar uma realidade que o rodeava, com a justeza necessária que continha a pobreza, o ensino, o analfabetismo, a dureza da vida, sem nunca ficar preso pela necessidade de mostrar. Que é como quem diz, apaziguar o espectador numa lógica de lucro. Daqui começa a despontar o seu universo enquanto cineasta, que, como já foi descrito por muitos, «quer fazer ver, sem mostrar».
Sua cópia fiel
ResponderEliminarme deixa com um gosto de cereja na boca
que apenas o vento poderá levar.
grande kiarostami...
ResponderEliminarO Falcão Maltês
Conheço pouco de Kiarostami, admito que seja um realizador interessante, mas o meu único contacto foi com Taste Of Cherry, que não gostei nada :/
ResponderEliminarNarrador: é um bom filme, mas tenta ver Where is the Friend's Home? (1989). Escreverei sobre ele em breve. :)
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