quinta-feira, 13 de setembro de 2018

A Ciambra (2017) de Jonas Carpignano


No início de 2016 estreou em Portugal Mediterranea (2015), a primeira longa de Jonas Carpignano, italo-americano nascido no Bronx. O pai tinha sido um dos seus produtores, professor de sociologia que dava aulas entre Nova Iorque e Roma, e já naquele existia um impulso realista em direcção dos problemas da emigração, das minorias, e em concreto a forma como os italianos "acolhem" a questão. Mas é preciso recuar ainda mais, concretamente a 2012, para compreender as raízes deste A Ciambra (2017). Carpignano tinha então rodado A Chjàna (2012), prémio de melhor curta-metragem em Veneza, acerca de Ayiva, um emigrante africano que procurava encontrar-se com um amigo durante uma série de conflitos raciais em Itália. Conta-se que, durante a rodagem, muito material técnico havia sido furtado e que a equipa seguiu o rasto do material até a esta Ciambra, comunidade cigana de Calabria, para tentar reaver algumas das coisas. Aí conheceu a família Amato, em especial o rosto a chispar fogo, o duro magnetismo do menino Pio Amato. Quer Pio, quer Ayiva (aliás, o seu nome é Koudous Seihon) foram sendo o centro dos filmes seguintes e em A Ciambra, o retrato da comunidade a que a família de Pio pertence é também "desembrulhado" através da relação entre estes dois, um africano e outro cigano e já agora, uma amizade que não nos é mostrada mas que também não era preciso, entre estes dois e Carpignano.

Se contei tudo isto é porque eu creio que não se consegue arriscar o olhar em A Ciambra sem perceber este trabalho de fraternidade e amizade que sensibilizou Scorsese ao ponto de produzir o filme. O retrato é dardenianno, a câmara à mão não vai largar em especial Pio, que Carpignano quer ver crescer, quer ver passar para o lado dos homens (deixando o grupo das crianças e a guarda das mulheres). O filme é como uma grande ave que sacode as suas penas após banhar-se nas águas da política, e que só começa a voar quando se desembaraça (nem sempre com sucesso, diga-se) dos seus ímpetos de porta-estandarte do retrato justiceiro das minorias e dos oprimidos. Mas quando o consegue, A Ciambra emociona-nos pelo seu comprometimento: pelas moedinhas que o Pio "semi-emancipado" dá aos meninos mais pequenos; os cigarros na boca das crianças como os olvidados de Buñuel; o aninhar-se no colo da mãe depois de uma noite de crime; ouvir o nome do pai, Rocco, e lembrarmo-nos da obra-prima de Visconti que também aterra na miséria e no amor fraternal; os códigos de honra dos ciganos, a desconfiança dos africanos; o querer apenas fazer qualquer coisa como o irmão mais velho; o funeral do avô. Quando se cresce tudo arde, e a Carpignano, também ele um jovem, se pode desculpar alguma simplicidade narrativa de processos, os atalhos para chegar às profundezas de uma comunidade, seja ela composta por ciganos ou por cinéfilos.

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