domingo, 7 de maio de 2017

Árvore da Cinefilia #5 - Leandro Schonfelder

Não acredito em epifanias ou momentos decisivos, penso que o exercício de ver filmes é um ato contínuo de expansão e (re)construção do olhar, sendo cada um desses filmes (incluindo os maus) responsável por alguma informação residual a adentrar essa intrincada cadeia de sensações, informações e ideias que chamamos de subjetividade. Assim sendo, o filme que escolho não é um marco ou um divisor de águas, mas um agente expansor deste rio de imagens, levando seu leito por novos canais sem necessariamente perder o fluxo. O tal exercício de construção do olhar ainda encontrava-se em estágio quase embrionário: tempos de uma cinefilia jovem, onde, não sem uma certa pedância, acreditava que os «grandes» filmes eram aqueles colocados na seção de «arte» da videolocadora. Foi então, sob a premissa de um slasher com o protagonista de «Blow-Up» (um dos pilares de minha formação àquela altura) que assisti ao filme de um tal Dario Argento: até ali, o terror era apenas entretenimento, sem os "grandes temas" e a aspiração que caracterizavam uma digna obra de arte. 


Os movimentos de câmara, as composições, os cenários estilizados, porém, logo chamaram mais minha atenção do que a habitual atração pelo medo que me levava àquele tipo de filme: ainda que não conseguisse concatenar de forma clara, senti naquele universo extremamente pictórico, que ao mesmo tempo fazia questão de mostrar seu artifício - como um quadro que deixa perceptíveis suas pinceladas - uma intenção de dissecar, analisar e contestar a imagem, numa chave semelhante à do filme de Antonioni, dos filmes de Hitchcock, de Brian de Palma (um autor que também estava «a descobrir» na época). Um filme de terror que era entretenimento e reflexão crítica; a partir dali, aos poucos perceberia que o cinema de gênero pode ser um tabuleiro de códigos já conhecidos e assimilados pelo público usados como base para expor justamente suas rachaduras, para furar sua margem rumo ao subterrâneo (ou aos céus), para trafegar conceitos mais obscuros. Poderia ter sido de outra forma, mas o caminho que percorri para chegar a Ford, Hawks, ao western, aos musicais, à Hollywood dos anos 30-50, tem como um dos principais pontos de referência um letreiro luminoso onde se lê «Profondo Rosso».

 Leandro Schonfelder*

Leandro Schonfelder é produtor musical de formação, crítico, colaborador da revista interlúdio (www.revistainterludio.com.br) e mantém o site www.palavraeutopia.com.br

Para saber mais sobre a rubrica Árvore da Cinefilia.
Edições anteriores: #1 Francisco Rocha.
                                    #2 Pedro Correia.
                                    #3 Carlos Alberto Carrilho
                                    #4 Álvaro Martins

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