terça-feira, 29 de dezembro de 2015

A lei do mais forte


Não sei qual foi o momento em que a má consciência deixada pela merda dos racismos históricos devorou o tema da diferença. De tal forma que eu, herdeiro dessa pedra no sapato, desse peso na consciência (sou como todos, não me quero sentir excluído), não posso deixar de sentir um "mas" a dar-me com um barrote nas costas quando penso em começar uma frase com a expressão "As mulheres...". De facto assim é.

Mas... as mulheres possuem um olhar de medusa. Já pensei nisto muitas vezes, no autocarro, em casa, numa festa de anos, num filme... Por exemplo, Brooklyn, anos 50. Estão a ver, não é? Há uma Rose, emigrante irlandesa, que entra na sala de baile e a música soa a bandolins, violinos e vozes cheias de melancolia. Toda gente pensa na sua casa naquele momento. Não naquele caixote do lixo de estátuas e oportunidades de trabalho mas nas praias desertas da costa irlandesa e no whiskey meio quente de Dublin ao anoitecer. Rosa olha em volta e descobre o seu alvo: é um italiano que tem um defeito de fala e quer casar assim que puder. Tanto melhor. Aponta o olhar de medusa e fica à espera, pacientemente, por um deslize, um momento em que o italiano baixe a guarda. Minutos depois ele poderá pegar no copo da cerveja e olhar para o lado, distraído, na sua direcção. Ou pode terminar de observar o tecto para respirar daquela gente toda. Nesse momento em que a presa está nua e a balir num canto já ferida (embora ainda não o saiba), Rose espeta-lhe o olhar de medusa e transforma-o em pedra. Quer dizer, numa pedra de sedução em que ele fica ali à sua disposição, para o que ela quiser no resto daquela noite. O olhar de Rose, como o olhar das mulheres, é esse espigão que substitui o soco, que arrasta na lama o pobre condenado deixando as suas costas em carne viva. O amor é feito desses lanhos nas costas.

O olhar das mulheres petrifica assim os homens (e as mulheres também; que eu não arrisco). A festa pode acabar já ali. Rose e o seu par de olhos azuis-pedra levara a melhor sobre o ridículo irlandês cheio de brilhante no cabelo. No fundo, é sempre a lei do mais forte.

3 comentários:

  1. É o olhar, é,

    https://www.youtube.com/watch?v=3mXWn5PRsWk&index=13

    se não me convidam para uma tertúlia destas fico fodido.

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  2. A malta do cinema sempre teve estas musas, estas criaturas de natureza semi-divina, delicadas... cabrões, pá.

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