sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

The Manxman


A tecla mais insistente em que se toca quando alguém se põe a reflectir sobre The Manxman, o último filme mudo de Hitchcock, é que se trata disso mesmo, o último de uma série de aprendizagem onde ainda não havia a possibilidade de introduzir o som na mise-en-scène. E quem sou eu para fugir à tradição? Lembro então a última sequência na qual Philip vem à casa de Pete e dela trará Kate e o seu filho. A multidão olha embasbacada esse desfecho criticando com o olhar a infidelidade e o abandono do pai de família. O sair para o exterior, como fim de um triângulo anunciado nos primeiros momentos no filme, é essa fuga em direcção à rua, em direcção ao corte com o que poderíamos esperar de um final feliz, e finalmente, a ida em direcção à rua onde estarão, a partir de agora os sons do cinema do inglês. Se o filme tem muitas idas e vindas, com cada um dos lados do triângulo a mudar temporariamente do lado que ocupa, ele mostra que um final feliz é impossível. Que a vida obriga a essa mudança constante e que, como mais tarde explicará Renoir, cada um tem as suas razões e que à sua maneira todos estão simultaneamente certos e errados. Pete sacrifica a proximidade com o seu amor para tentar obter bem estar material para ter condições para se casar mas é sempre verdadeiro face aos seus sentimentos. Kate muda de amores, por uma questão de proximidade (prefere quem fica na ilha, na praia, ao homem que dela parte de barco) mas é sempre verdadeira a quem ama. Finalmente, Philip não quer abdicar da sua carreira (e por momentos, parece preferi-la a Kate) mas tenta sempre manter-se verdadeiro face aos sentimentos de fraternidade para com Pete e de amor para com Kate. Todos têm razão, vistos a partir do interior do seu vértice, razão pela qual o olhar de fora do triângulo, o da multidão a exigir um desfecho justo e linear, se torna menor e impossível. The Manxman aproxima-se da estrutura de The Ringambos trabalham sobre a estrutura triangular composta por dois homens e uma mulher. Mas enquanto neste os vértices masculinos lutam exclusivamente pelo vértice feminino, neste Peter e Philip são amigos de infância. Tal significa que para um deles ficar com a mulher, terá de quebrar a estrutura que o liga ao outro homem. Fica deste período mudo que a narrativa é para Hitchcock um traçar de possibilidades (e muitas vezes o espectador afasta-se dos filmes por essa via mecanicista que vai incansavelmente de um ponto a outro, precisamente por estar habituado a defender um dos lados da geometria) e que por sobre essa escrita vai traçando possibilidades técnicas: pontos de vista a partir de copos de champagne, picados inusitados, circularidades e sobreposições paranoicas e psicanalíticas, contraluzes, ocultação oportunista de informações vitais na cena para mexer com o espectador, etc. Com The Manxman, Hitchcock sairá finalmente da "ilha do mudo" para fundir num só estas experiências narrativas e técnicas com a certeza que o som não poderá deixar apenas implícita essa razão que todos têm, mas terá de ser esmiuçada pelo embate com as palavras e com o rasto sonoro que as personagens deixam sobre os objectos e espaços que habitam.

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