segunda-feira, 29 de dezembro de 2025

 


Quem já perdeu o seu pai sabe o duro que é. Ficamos mais pequenos no coração, mirrados na cara, no corpo. Morre parte de nós e perguntamo-nos se estivemos à altura, se aproveitámos cada conversa, se acertámos nas prioridades, se lhe segurámos nas mãos o suficiente. Fica-se a lembrar a entoação daquela palavra que disse, a ruga da tristeza no dia difícil, o esgar maroto da piada sorrateira. Tudo nos faz chorar, o arco-íris na despedida, as vacas mugindo no caminho do cemitério, a terra desfeita em lama antes de embater no caixão. O meu pai ensinou-me tudo o que é essencial. No dia em que nos despedimos do meu pai, essa tristeza transbordante nas pessoas que o amam e nos sítios por onde passou penetrou no meu ser de forma quase sobrenatural. Contudo, o que mais me comove agora é recordar a sua gentileza. Quando precisavam de falar, escutava. Quando precisavam de receber, dava. Quando estavam perdidos, guiava. Dessa gentileza faz ainda parte o tom alegre da voz com que sempre atendia o telefone, a preocupação com quem nada tinha (como recordo o seu sorriso quando trazia um pouco de conforto sob a forma de uma peça de roupa ou de uma revista usada). Gentileza em tentar estar próximo e disponível para os seus filhos, dos seus amigos, gentileza na forma como não queriam que se preocupassem com ele. O meu pai amou muito. Menos nas palavras, mas muito nas ações plenas de nobreza e bondade. No instante em que recordo a mesa do pequeno almoço, pronta muito antes de acordarmos para mais um dia de escola — o pó de chocolate e os pedaços de pão à espera do leite quente, os talheres, o guardanapo, a geometria do conforto — neste instante, reconheço que, apesar de ter partido, o meu pai ficou-me aqui em toda a sua gentileza. E enquanto viver, honrarei, passarei essa gentileza. Talvez seja essa a verdadeira tarefa de um pai, a derradeira aprendizagem de um filho.

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