Em março de 2025 comprei o
primeiro livro de Djaimilia Pereira de Almeida. Não conhecia nada da autora, escolhi-o
pois creio que era o mais recente. Em dezembro deste ano, por impulso, tirei-o
finalmente da estante. Após uma leitura espaçada, terminei o livro anteontem.
Entretanto, estava longe de prever que, como por funesta magia, eu próprio iria
perder neste período em que lia o “Livro da Doença” o meu pai. Eis, pois, um
livro de luto e um leitor de luto. Uma comunhão na perda e na sobrevivência à
perda. Antes do dia fatídico recordo-me de pensar que o livro mais ou menos a
partir das 100 páginas (do terceiro capítulo em diante) parecia estagnar,
conhecida que estava a premissa. Como se desse uma volta sobre si mesmo e
regressasse ao início. Isso fez-me desacelerar a leitura na altura. Mas, com os
acontecimentos dos últimos dias, dei por mim a querer eu próprio retomar um tempo
em que o meu pai estava vivo, reviver cada momento como se pudesse eu agora fazer
tudo certo, saborear cada instante. Só então compreendi como uma certa
estrutura circular da escrita de Djaimilia Pereira é, creio, a escrita desse luto,
de um processar lento que volta ao mesmo, que quer compreender esse vazio. No
seu caso querer imaginar o livro inacabado, ao mesmo tempo que este deve
permanecer aberto para que o seu pai não desapareça em definitivo. Não, isto
não é uma impressão crítica ao “Livro da Doença”, embora me agrade pensar que
escrever seja, no caso, o melhor dos exorcismos, sobretudo quando fechado num
livro, numa obra acabada, mais protegida da circulação do ódio do momento das
redes sociais. Quase no fim, Djaimilia escreve: “Podia escrever para sempre
este livro, mas seria o mesmo que deixar o meu pai morrer para sempre. Para que
ele ressuscite, é preciso que a sua voz cesse. É preciso que cesse o meu
egoísmo de querer ouvi-lo para sempre.” Ontem mesmo sonhei que conversava com o
meu pai, não sei se dormindo, ou se entre o sono e a vigília. Hoje que já terminei
o “Livro da Doença” — que no caso do meu pai, foi súbita — aprendo que é
preciso começar a afastar a sua voz e compreender a sua presença na luz das
coisas, como um silêncio que lentamente floresce. Ou como diz Djaimilia, que
ressuscita.
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