Os dedos de Carol Reed que deviam ser os dedos de Orson Welles. Ou melhor, da sua personagem Harry Lime, em The Third Man. Um filme que se diz ter um dedinho (ou mais do quem um) de Welles na realização de Reed. Quem foi afinal o first man ou talvez o second man, depois do first man, o escritor e argumentista Graham Greene? Quem produziu com "mais força": Korda ou Selznick? Névoa mitológica que paira sobre esta Viena dividida do pós-guerra. Tudo aqui nos surge invertido, ou inclinado, como em muitos planos de Robert Krasker. Ou ainda mais precisamente: desnorteado. Não há valsas mas cítaras. O porteiro diz que Harry foi para o céu e aponta para baixo. Ou que terá ido para o inferno e aponta para cima. Há indigestões nas alturas, no inferno da roda gigante, há sombras libertadoras nos céus fétidos e labirínticos, os esgotos da cidade. Do oeste vem o falido escritor de westerns, do leste a ameaça da deportação soviética para Anna. E ainda os britânicos, os franceses, o peso alemão com sua expressão - a língua - e o seu expressionismo (tanta coisa de M, tanto ou mais quanto os Langs da guerra). E os relógios e a aborrecida paz Suiça, e as ferocidades renascentistas... Desnorte como palavra para a rearrumação. Como dizia o Bénard, The Third Man é um primeiro filme sobre a guerra fria, mas também uma passagem dos filmes em grande, dos anos 40, "à Selznick", aos filmes de desespero e amargura dos anos 50. Holly Martins (Cotten) é um herói que chega tarde demais (10 minutos) e passa todo o seu tempo a tentar recuperar esse tempo perdido. Recuperar a verdade do que se passou. Com o seu amigo, mas sobretudo com o seu próprio estatuto de herói, a sua holiness. Mas num espaço estraçalhado e em mudança, como é o do filme de Reed, ser "santo" já não ajuda, não é adequado. The Third Man é um filme sobre um herói que perde o pé, que terá de descer aos lugares devassados pela guerra e pelos interesses das pessoas. E aí, recuperar uma outra forma de viver, não tão certo da oposição valorativa implacável entre o alto e o baixo, o certo e o errado. Do esgoto pode ver-se o céu e do cimo de um parque de diversões, o abismo.
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