Na verdade não acho que se trate de um mau filme. Nem acho sequer que o problema de Roma resida na "falta de luta de classes", no silencio feminino de Cleo, ou numa esteticização da pobreza. Isso são tudo argumentos que ditariam um "outro filme", um colete de forças ou uma cartilha de como deve ser um filme. Não alinho nisso.
Para mim o problema do filme de Cuáron está noutro lado, é que ele é um lobo numa pele de cordeiro. Durante quase duas horas somos levados a acreditar que o regresso ao passado e infância (que já de si é uma facilidade, mas passamos por cima disso) é aqui sobretudo um exercício de evocação de uma memória visual, distanciado, desinteressado, de observação dos detalhes, de um micro-universo (seja ele rico ou pobre, com mais ou menos cacas de cão na garagem). Contudo, chegamos ao fim e temos aquele contraluz na praia dos meninos e criada abraçados e percebemos que fomos levados. Percebemos que afinal tudo se encaminhava para ali, para a construção do belo, da nostalgia, do "vejam lá como estávamos todos unidos e era tudo tão belo e sofrido ao mesmo tempo". E é aqui que o espectador não dotado de amnésia começa a rever as imagens de "Roma" retrospectivamente e começa a perceber porque é que não acreditava em nada daquilo (porque é que a suposta distância não tinha a eficácia que tinha noutros filmes que fazem o mesmo. E não acreditava pois afinal elas são apenas um caminho longo, mas um caminho, para chegar à emoção nostálgica do espectador. É como fazer passar um Sirk por um Béla Tarr, durante quase duas horas. E no final, chorem praí com um sorriso nos lábios. Isso defrauda-me como espectador. Por isso é que dizia, ali noutro comentário, que quando chega a dedicatória a Cleo já estou, enquanto espectador, fodido da vida. Essa dedicatória é aquilo que me parece a pornografia, um destapar completo do seu gesto criativo, ah, afinal eu retirarei proveitos desta bela homenagem. Vocês é que anda não sabiam. Resta dizer que o filme esta bem filmado e é belo. Mas também como dizia no outro comentário, "Roma" é feito sobre uma "ideia" de beleza que tem a aparência de liberdade. Essa tal distância. Mas vai-se a ver e essa liberdade é algo que nos vai constrangendo a pouco e pouco como espectadores livres. E essa dedicatória são apenas as chaves da algema em que já nos fomos enfiando, muito lentamente, ao longo das duas horas e tal.
c'um caraças, que gosto da tua inteligência actuando: observação, palavras, you name it!
ResponderEliminar(considero que o Daney - que descobri sozinha, mui cedo, yay para mim! - não é o suprassumo da batata :)
Eu gostei imenso, como disse aqui: http://ruadaindia.blogspot.com/2018/12/roma.html
ResponderEliminar~CC~
este filme... faço uma leitura diferente da tua, mas com resultados idênticos. o filme é um cócó. o que me arrelia mais é a moralidade de «underdog muito humano!» que se imprime na Cleo. não é estranho: é simplesmente nojento.
ResponderEliminardiaboliza os homens, a figura masculina, ao nível do mesquinho, também. desnecessário. eu, pessoalmente, atiro-o para um rodapé pequeno da história do cinema em 2018, que, já de si, não é famosa.
Este é um filme que divide muito as opiniões. Ninguém pára de falar de Roma e isso ainda é melhor do que o próprio Roma! Alexandre, olha que o Daney era uma riqueza, pá!
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