sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

120 battements par minute de Robin Campillo


Uma das caras do cinema: coragem. Coragem de mostrar o que não foi mostrado. 120 battements par minute (120 Batimentos por Minuto, 2017) faz isso e por isso merece atenção. E que mais, além do estandarte histórico que carrega? O título dá-me uma pista. Os 120 batimentos são os do pulso acelerado, não necessariamente os da montagem frenética ou das cores fulgurante ao beat, mas também os da angústia pré-morte, os da indecisão de ver o corpo de um amigo/amante que acabou de falecer, os minutos em que se gastam a gritar mas ninguém parece ouvir, os batimentos da indecisão: “o que fazer?”. Campillo filma sobre esse pulsar acelerado e muitas vezes até erra: há momentos em que não acreditamos naqueles jovens belos a padecer, naquela raiva política ritmada, nos slow motions das gay parades ou das cores da noite nas discotecas.

 Mas Campillo, quando acerta, mostra esses altos e baixos de um coração individual, mas também social, que se manifesta, que solta corações de sangue improvisados no peito da indústria farmacêutica; acerta quando filma as bolachas que há para comer após a morte de mais um membro do grupo, ou o raio do sofá-cama que, logo naquele dia, tem as suas molas que se põem a gemer e não encolhe, sabe-se lá deus porquê; acerta ainda quando nos mostra os clik, claks dos estalinhos dos membros das reuniões da Act Up e com eles uma pincelada histórico-social, uma forma gaulesa – ordenada, esclarecida, engajada e contida – de viver o Público. Um Público, conquistado à civilidade e elevação, que a morte e o desespero, mesmo esses, nunca põem em risco. Campillo acerta ainda onde Entre les Murs (A Turma, 2008), que co-escreveu com Cantet, tinha acertado, na dinâmica do diálogo, de uma conversação que esgrime e faz nascer as ideias. Como se assistíssemos à paciente colocação de uma câmara colectiva que vai filmar o impossível de ver: o nascimento de uma ideia. Conversa-se e filma-se (enfim, vive-se) entre a doença e a alegria, entre a morte como momento para sentir, e a morte como momento para reorganizar o pensamento, cerrar fileiras, pois era o tempo - início dos noventas - da sida como guerra. Uma guerra em que não se morria em privado, em que as cinzas dos mortos manchavam os cocktails dos vivos. Toda esta agitação subtil passa sob a forma de filme histórico que nos vem morder os calcanhares de tão próximos ainda que estamos, um filme em que o cinema é esse monitor amargo, a retardar tudo, a medir tudo. Cardíaco e bélico.

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