domingo, 25 de junho de 2017

Árvore da Cinefilia #11- Ricardo Vieira Lisboa


Sou dessa geração que não sabe qual foi o primeiro filme que viu, nem sequer qual o primeiro filme que viu no cinema. A televisão sempre foi (e ainda vai sendo, apesar de estar a perecer rapidamente o hábito de lhe dirigir o olhar – substituída pela retina do computador) o ecrã primordial das minhas imagens em movimento. Recordo-me de ver as animações que popularam nos anos 90 e de celebrar o meu dia de anos com idas ao Colombo com os meus vizinhos e colegas de escola para assistir a sequelas muito manhosas de A Máscara e Scooby-Doo. E também de uma vez ir ver um filme com a minha mãe, numa sala esconsa do Alvaláxia, em que éramos os únicos espectadores. O cinema não tinha, durante muitos anos, um valor especial na minha formação (nem na formação do meu olhar, pelo menos de modo consciente). Até que surgiu o espírito contagiante de um cinéfilo na minha (pre-)adolescência: o meu primo Russel e a sua capacidade extraordinária de calar todos à mesa de jantar com uma descrição pormenorizada da saída de Tippi Hedren da escola primária em Os Pássaros – aliás, Hitchcock é nome de deus para o meu primo.
A partir daí, e de um desses compêndios dos 1001 filmes para ver antes de morrer, começou a minha cinefilia. Alimentada, não tanto pelas salas de cinema, essencialmente pelas bibliotecas da escola e do município que albergavam centenas de VHSs e DVDs sem qualquer tipo de custo. Vi nessa altura todos os Kubricks de enfiada, desfiz-me em prantos diante de estranhos preocupados com as mais xaroposas comédias românticas, queria ver filmes que a minha idade não permitia (e dependendo do funcionário a coisa podia, ou não, passar). Vi o meu primeiro Kurosawa, o primeiro Mizoguchi, o primeiro Ford, o primeiro Hawks, o primeiro Welles (e a lista podia continuar) em VHSs peçonhentas e em DVDs riscados – com a mesma voracidade com que via as ditas comédias românticas e evitava metodicamente o cinema de terror (isso só veio muuuuuito mais tarde). E assim cresceu a árvore que hoje dá os frutos (ainda raquíticos é certo) da dedicação obsessiva pelo cinema. Mas com tudo isto não falei do possível filme-chave (ou chavão) que tenha funcionado como elemento fundacional sobre o qual tudo o resto assentou: a trave mestra do meu amor às imagens e aos sons que as acompanham. Não falei porque em boa verdade não faço a mínima ideia. Talvez seja geracional, talvez seja simplesmente distracção (ou falta de memória). Mas porque tem que ser alguma coisa, que sejam os hitchcocks que imaginei através das palavras do meu primo Russel – esse grande realizador do meu imaginário.
Ricardo Vieira Lisboa*
Ricardo Vieira Lisboa além de cineasta e crítico de cinema no site À pala de Walsh, é também programador no Festival Indielisboa. 

Para saber mais sobre a rubrica Árvore da Cinefilia.
Edições anteriores: #1 Francisco Rocha.
                                    #2 Pedro Correia.
                                    #3 Carlos Alberto Carrilho
                                    #4 Álvaro Martins
                                    #5 Leandro Schonfelder
                                    #6 Samuel Andrade
                                    #7 Vítor Ribeiro
                                    #8 José Marmeleira
                                    #9 Maria João Madeira
                                    #10 João Lisboa

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