domingo, 31 de janeiro de 2016

Sopa de nuvens

O tema deste mês da sopa de planos foram as nuvens: 

Tentar escolher um plano de nuvens de Wings (Asas, 1927) de William Wellman é coisa tão ingrata como cometer a mesma loucura com a pintura de Turner. Talvez o mesmo caos romântico, o mesmo medo do utilitarismo e da devastação racional trazida pela guerra, ajudem a explicar o paralelismo. Hesito entre as imagens dos céus enevoados, cortados a meio pelo voo em bando dos aviões-pássaros-de-metal, e os planos das “pinceladas” dos aviões em chamas, em queda livre, esborratando com o fim eminente as esborratadas nuvens. Hesito tanto que acabo por escolher nuvens mais homogéneas, com os aviões dos nossos heróis e amigos, lado a lado, David e Jack. O primeiro vai morrer e por embaciamento da visão do segundo. O plano já mostra esses aviões negros sobre as nuvens brancas como duplas cruzes que avançam no céu. Jack nunca soube ver, por entre o gasoso das nuvens e os eflúvios borbulhantes do álcool, quem o amava de verdade. Por isso não vai reconhecer o amigo, pois este pilota um avião alemão, nem vai perceber que é Mary (Clara Bow) a mulher que por ele espera. Já David soube aprender a lição do colega Gary Cooper que sabia que morrer era uma coisa que nem os amuletos da sorte podiam evitar. Filme de ar, de gases — nuvens, bombas, fumos, borbulhas de champagne — mas também de pesos, de matérias da terra. O corpo do soldado interpretado por Willam Wellman a cair morto com um cigarro na boca, a imobilidade do pai de David, peso na cadeira de rodas, e os corpos carregados, caídos, e, finalmente, a câmara nas trincheiras a filmar as lagartas do tanque a passar por cima do buraco por onde vemos. As nuvens de Wings têm qualquer coisa de destino trágico pintado pelos deuses, mas também algo de sonho leve, doce e fantasmático. O plano que melhor o ilustra aqui não está para muita pena minha. Mas descrevo-o: é aquele em que vemos na terra os soldados alinhados a perder de vista, a caminhar em direcção à negra sombra da guerra, e nos céus, “projecta-se” o filme do futuro que os aguarda, as histórias de batalha para os quais se dirigem. The sky is the screen.

Leiam aqui as outras escolhas.

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