terça-feira, 14 de dezembro de 2010

“Mas se houver acidente fatal, darás vida por vida, olho por olho, dente por dente”


Peter Strickland, 37 anos, admitiu nas conferências de imprensa de apresentação de KATALIN VARGA, co-produção inglesa, romena e húngara, pelo qual foi nomeado ao Urso de Ouro em Berlim no ano passado, que estava convencidíssimo que ia falhar, mas que se isso acontecesse mais valia fazê-lo “com estilo”. Percebe-se a angústia. Afinal não é todos os dias que um inglês, estreante na realização e sem formação em cinema, escreve uma história de vingança de uma mulher e depois decide ir filmá-la para a Transilvânia, com actores romenos e sem dominar a língua local.

Katalin Varga (Hilda Péter) vive com o seu marido e filho, Órban, até ao dia em que na vila se descobre o seu passado. O marido ao saber que esta em tempos foi violada, expulsa-a de casa, pelo que Katalin se mete à estrada com o filho, numa carroça, Cárpatos acima, com o intuito de procurar os seus violadores e obter a sua vingança.

O desconhecimento da língua local que falávamos, mas também desconhecimento do lugar, e este é, note-se, um filme de espaços, surge como central em KATALIN VARGA, o filme. Dota-o de uma condição de estrangeiro, por onde quer que se queira olhar para ele. Da preocupação social vinda da muita falada nova vaga romena nem vislumbre, dado a sua condição de parábola cristã que rumina os desígnios da vingança. Mas curiosamente fá-lo com um olhar “abismado”, numa paradoxalidade quase becketiana, que ora o ancoram num tempo que é todos os tempos, ora o situam próximos de nós, como indicam o uso do telemóvel, por exemplo.


Ao inverso, mantém-se o sentimento de não pertença: um filme britânico mas com personagens que poderiam ter surgido de uma mitologia ou folclore russo, e acima de tudo, que se deixam absorver pela atmosfera inquietante que o extraordinário trabalho de som, que mescla o sobrenatural electrónico e o naturalismo das paisagens, veicula. O filme foi mesmo galardoado com o Urso de Prata de Melhor Contribuição Artística pelo seu sound design em Berlim. A própria câmara de Strickland parece ter chegado a um impasse, com uma história com algumas semelhanças a JUNGFRUKÄLLAN (A FONTE DA VIRGEM), de Ingmar Bergman, mas cujos cordelinhos são puxados por uma direcção de actores que mostra a marcação, as pausas, em suma, o teatro no seu cinema, e que alterna entre procurar as pessoas nos seus planos aproximados e procurar os caminhos de terra, a floresta dos Cárpatos ou os interiores rurais sombrios.

Assim, deste dolente “goat road” movie transcendental, entre a parábola cristã sobre a vingança e a meditação atmosférica com clara proximidade ao cinema de Tarkovsky, arriscam-se poucos mais vaticínios para além da inclassificabilidade do olhar de Strickland, mas sobretudo do seu gesto na realização.

KATALIN VARGA estreia esta quinta-feira, 16 de Dezembro.


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