Com estreia já na próxima semana em Portugal, o documentário que provocou um mini sismo na indústria americana de cinema, I’M STILL HERE, de Casey Affleck, permite pensar nalgumas questões que lhe servem de base.
A fabricação de uma controvérsia como estratégia de capitalização da entrada de um produto na sociedade de consumo está longe de ser algo inovador, e ainda mais longe de o ser exclusivo da sétima arte. Ainda há cerca de quatro anos, só para citar um exemplo que rima com I’M STILL HERE, BORAT e depois BRUNO, com Sacha Baron Cohen, chocavam as audiências mantendo-as na credulidade de uma comédia invasiva, com episódios grosseiros que “aconteceram” mesmo e provocavam o embaraço do e no espectador. Nestes casos, regra geral, o desvelamento do segredo feito pelos obras, que fazem terminar o ambiente de controvérsia e de misticismo romântico, raras vezes funcionam como clímax do processo criativo. Ou seja, são antes vistos com o sentimento de expectativa gorada, a montanha que pariu um rato porque a ersatz de uma expectativa em que assentam é melhor do que nenhuma expectativa.
Trocando por miúdos, em 2008, ficou famosa uma entrevista de Joaquin Phoenix ao célebre apresentador de televisão David Letterman, em que aquele apareceu ao grande público de barba enorme e óculos escuros e se recusou praticamente a falar, pelo menos no modo descontraído daquele tipo de programas, e lá se confirmou, pelas suas palavras, o rumor que já circulava: o de que Joaquin Phoenix pretendia uma mudança de carreira abrupta que passava por deixar a representação e dedicar-se ao hip hop. Foi aqui que o processo mediático de construção de uma falsa controvérsia, que visava abanar as fundações da relação loucura - normalidade no interior do sistema de Hollywood, estava no seu auge. Pensou-se então em tudo, nas causas de tal decisão, na estrutura emocional de uma figura pública, na crueldade do mainstream, no transtorno do indivíduo ou na admiração do mesmo.
Um ano e meio volvidos, surge I’M STILL HERE, o documentário de Casey Affleck sobre a dita transformação do cunhado, Joaquin Phoenix, e com ele a justificação do dito episódio de 2008. Com quase nenhuma intervenção de Casey, o documentário segue Joaquin na sua decisão de deixar a sua persona pública, porque está farto da prisão que implica ser Joaquin Phoenix, o actor, e acompanha o seu dia-a-dia de figura “privada”, designadamente com Anthony e Larry, seus assistentes, e a sua tentativa de penetrar no mundo da música. Algumas das sequências mais engraçadas são, aliás, com Sean “P. Diddy” Combs, que faz dele próprio, mas enquanto guru da música que gosta de Joaquin mas despreza os seus talentos musicais.
Muitas das cenas de I’M STILL HERE estão tão estrategicamente inseridas do ponto-de-vista dramático que restam poucas dúvidas da falsidade de todo este processo infernal, sendo que ao caso não interessa tanto se as imagens seriam reais, mas mais se o poderiam ter sido. O próprio Casey Affleck ora questiona o ataque à veracidade do filme e a suspeição de que se trata de um embuste (como na cena em que Joaquin censura o entrevistador da Entertainment Weekly sobre como pode duvidar da sua decisão), ora integra a falsidade como facto consumando, desvalorizando-o, como na cena em que Joaquin acusa o seu assistente por ter violado o acordo de confidencialidade que assinou no início.
Ultrapassada a estratégia de verdade / mentira como um outro mecanismo de engagement qualquer, ficam várias perguntas para fazer a I’M STILL HERE. Como sobrevive o filme para lá de esclarecida a auto-encenação da revolta edipiana, de Joaquin contra o sistema que o fez nascer? Qual o valor do famoso clip da entrevista a David Letterman, agora integrado como ex-libris do documentário? Como ler este statement de revolta, de mau estar mediático, ainda que ficcionado, de uma estrela que poderia estar cansada de o ser? Ainda, que efeitos psicológicos deixará em Phoenix a representação ante uma câmara, de um Phoenix sem filtro (ou com menos filtro)? Essa simulação de loucura, palavra que utilizamos por economia de espaço, faz-nos pensar na solução, ainda que liricamente, de SHOCK CORRIDOR, de Samuel Fuller.
Ao espectador pergunta-se, afinal, “do we fuckin care?” E se a resposta for não, não é verdadeira. É certo que se despreza a estratégia mesquinha da chamada de atenção, do sentimento “reality fiction” de I’M STILL HERE, mas ainda assim, e na verdade, a “brincar a brincar”, como se costuma dizer... E por muito que a Magnolia Pictures, distribuidora do filme (a par de TWO LOVERS, de James Gray, filme cuja promoção Joaquin boicota como estratégia de I’M STILL HERE), seja uma das grandes vencedoras desta capacidade de minar por dentro, de mexer no tecido emocional e mediático do sistema, o certo é que esse falso mal être de Joaquin não é invenção dos deuses, é algo que parte de qualquer coisa genuíno. Ainda que possa não estar naquele corpo em concreto. Ainda que o dito sistema o engula para propósitos seus. Nesse sentido, Joaquin, na mais pura tradição ficcional, é um corpo mensageiro, preso numa espécie de luta interior que necessita de purificação. Ainda que simbólica, como na cena Gus Van Sant do “baptismo” final, realizador aliás a quem Affleck agracede nos créditos do filme.
A fabricação de uma controvérsia como estratégia de capitalização da entrada de um produto na sociedade de consumo está longe de ser algo inovador, e ainda mais longe de o ser exclusivo da sétima arte. Ainda há cerca de quatro anos, só para citar um exemplo que rima com I’M STILL HERE, BORAT e depois BRUNO, com Sacha Baron Cohen, chocavam as audiências mantendo-as na credulidade de uma comédia invasiva, com episódios grosseiros que “aconteceram” mesmo e provocavam o embaraço do e no espectador. Nestes casos, regra geral, o desvelamento do segredo feito pelos obras, que fazem terminar o ambiente de controvérsia e de misticismo romântico, raras vezes funcionam como clímax do processo criativo. Ou seja, são antes vistos com o sentimento de expectativa gorada, a montanha que pariu um rato porque a ersatz de uma expectativa em que assentam é melhor do que nenhuma expectativa.
Trocando por miúdos, em 2008, ficou famosa uma entrevista de Joaquin Phoenix ao célebre apresentador de televisão David Letterman, em que aquele apareceu ao grande público de barba enorme e óculos escuros e se recusou praticamente a falar, pelo menos no modo descontraído daquele tipo de programas, e lá se confirmou, pelas suas palavras, o rumor que já circulava: o de que Joaquin Phoenix pretendia uma mudança de carreira abrupta que passava por deixar a representação e dedicar-se ao hip hop. Foi aqui que o processo mediático de construção de uma falsa controvérsia, que visava abanar as fundações da relação loucura - normalidade no interior do sistema de Hollywood, estava no seu auge. Pensou-se então em tudo, nas causas de tal decisão, na estrutura emocional de uma figura pública, na crueldade do mainstream, no transtorno do indivíduo ou na admiração do mesmo.
Um ano e meio volvidos, surge I’M STILL HERE, o documentário de Casey Affleck sobre a dita transformação do cunhado, Joaquin Phoenix, e com ele a justificação do dito episódio de 2008. Com quase nenhuma intervenção de Casey, o documentário segue Joaquin na sua decisão de deixar a sua persona pública, porque está farto da prisão que implica ser Joaquin Phoenix, o actor, e acompanha o seu dia-a-dia de figura “privada”, designadamente com Anthony e Larry, seus assistentes, e a sua tentativa de penetrar no mundo da música. Algumas das sequências mais engraçadas são, aliás, com Sean “P. Diddy” Combs, que faz dele próprio, mas enquanto guru da música que gosta de Joaquin mas despreza os seus talentos musicais.
Muitas das cenas de I’M STILL HERE estão tão estrategicamente inseridas do ponto-de-vista dramático que restam poucas dúvidas da falsidade de todo este processo infernal, sendo que ao caso não interessa tanto se as imagens seriam reais, mas mais se o poderiam ter sido. O próprio Casey Affleck ora questiona o ataque à veracidade do filme e a suspeição de que se trata de um embuste (como na cena em que Joaquin censura o entrevistador da Entertainment Weekly sobre como pode duvidar da sua decisão), ora integra a falsidade como facto consumando, desvalorizando-o, como na cena em que Joaquin acusa o seu assistente por ter violado o acordo de confidencialidade que assinou no início.
Ultrapassada a estratégia de verdade / mentira como um outro mecanismo de engagement qualquer, ficam várias perguntas para fazer a I’M STILL HERE. Como sobrevive o filme para lá de esclarecida a auto-encenação da revolta edipiana, de Joaquin contra o sistema que o fez nascer? Qual o valor do famoso clip da entrevista a David Letterman, agora integrado como ex-libris do documentário? Como ler este statement de revolta, de mau estar mediático, ainda que ficcionado, de uma estrela que poderia estar cansada de o ser? Ainda, que efeitos psicológicos deixará em Phoenix a representação ante uma câmara, de um Phoenix sem filtro (ou com menos filtro)? Essa simulação de loucura, palavra que utilizamos por economia de espaço, faz-nos pensar na solução, ainda que liricamente, de SHOCK CORRIDOR, de Samuel Fuller.
Ao espectador pergunta-se, afinal, “do we fuckin care?” E se a resposta for não, não é verdadeira. É certo que se despreza a estratégia mesquinha da chamada de atenção, do sentimento “reality fiction” de I’M STILL HERE, mas ainda assim, e na verdade, a “brincar a brincar”, como se costuma dizer... E por muito que a Magnolia Pictures, distribuidora do filme (a par de TWO LOVERS, de James Gray, filme cuja promoção Joaquin boicota como estratégia de I’M STILL HERE), seja uma das grandes vencedoras desta capacidade de minar por dentro, de mexer no tecido emocional e mediático do sistema, o certo é que esse falso mal être de Joaquin não é invenção dos deuses, é algo que parte de qualquer coisa genuíno. Ainda que possa não estar naquele corpo em concreto. Ainda que o dito sistema o engula para propósitos seus. Nesse sentido, Joaquin, na mais pura tradição ficcional, é um corpo mensageiro, preso numa espécie de luta interior que necessita de purificação. Ainda que simbólica, como na cena Gus Van Sant do “baptismo” final, realizador aliás a quem Affleck agracede nos créditos do filme.
Estou a salivar por ver este...
ResponderEliminarvale a pena, abraço
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