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A fabricação de uma controvérsia como estratégia de capitalização da entrada de um produto na sociedade de consumo está longe de ser algo inovador, e ainda mais longe de o ser exclusivo da sétima arte. Ainda há cerca de quatro anos, só para citar um exemplo que rima com I’M STILL HERE, BORAT e depois BRUNO, com Sacha Baron Cohen, chocavam as audiências mantendo-as na credulidade de uma comédia invasiva, com episódios grosseiros que “aconteceram” mesmo e provocavam o embaraço do e no espectador. Nestes casos, regra geral, o desvelamento do segredo feito pelos obras, que fazem terminar o ambiente de controvérsia e de misticismo romântico, raras vezes funcionam como clímax do processo criativo. Ou seja, são antes vistos com o sentimento de expectativa gorada, a montanha que pariu um rato porque a ersatz de uma expectativa em que assentam é melhor do que nenhuma expectativa.
Trocando por miúdos, em 2008, ficou famosa uma entrevista de Joaquin Phoenix ao célebre apresentador de televisão David Letterman, em que aquele apareceu ao grande público de barba enorme e óculos escuros e se recusou praticamente a falar, pelo menos no modo descontraído daquele tipo de programas, e lá se confirmou, pelas suas palavras, o rumor que já circulava: o de que Joaquin Phoenix pretendia uma mudança de carreira abrupta que passava por deixar a representação e dedicar-se ao hip hop. Foi aqui que o processo mediático de construção de uma falsa controvérsia, que visava abanar as fundações da relação loucura - normalidade no interior do sistema de Hollywood, estava no seu auge. Pensou-se então em tudo, nas causas de tal decisão, na estrutura emocional de uma figura pública, na crueldade do mainstream, no transtorno do indivíduo ou na admiração do mesmo.
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Muitas das cenas de I’M STILL HERE estão tão estrategicamente inseridas do ponto-de-vista dramático que restam poucas dúvidas da falsidade de todo este processo infernal, sendo que ao caso não interessa tanto se as imagens seriam reais, mas mais se o poderiam ter sido. O próprio Casey Affleck ora questiona o ataque à veracidade do filme e a suspeição de que se trata de um embuste (como na cena em que Joaquin censura o entrevistador da Entertainment Weekly sobre como pode duvidar da sua decisão), ora integra a falsidade como facto consumando, desvalorizando-o, como na cena em que Joaquin acusa o seu assistente por ter violado o acordo de confidencialidade que assinou no início.
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Ao espectador pergunta-se, afinal, “do we fuckin care?” E se a resposta for não, não é verdadeira. É certo que se despreza a estratégia mesquinha da chamada de atenção, do sentimento “reality fiction” de I’M STILL HERE, mas ainda assim, e na verdade, a “brincar a brincar”, como se costuma dizer... E por muito que a Magnolia Pictures, distribuidora do filme (a par de TWO LOVERS, de James Gray, filme cuja promoção Joaquin boicota como estratégia de I’M STILL HERE), seja uma das grandes vencedoras desta capacidade de minar por dentro, de mexer no tecido emocional e mediático do sistema, o certo é que esse falso mal être de Joaquin não é invenção dos deuses, é algo que parte de qualquer coisa genuíno. Ainda que possa não estar naquele corpo em concreto. Ainda que o dito sistema o engula para propósitos seus. Nesse sentido, Joaquin, na mais pura tradição ficcional, é um corpo mensageiro, preso numa espécie de luta interior que necessita de purificação. Ainda que simbólica, como na cena Gus Van Sant do “baptismo” final, realizador aliás a quem Affleck agracede nos créditos do filme.
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Estou a salivar por ver este...
ResponderEliminarvale a pena, abraço
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