sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Tchekhov e a ilusão

 


Abusador e sem muita relevância a tarefa de procurar uma só palavra que seja o fio que lace as quatro peças mais conhecidas de Anton Tchekhov, "A Gaivota" (1896), "Tio Vânia" (1899-1900), "As Três Irmãs" (1901) e "O Ginjal" (1904). Vem-me à cabeça a palavra ilusão (perdida) - são duas palavras, afinal - e com elas os ideais da escrita e da arte de Tréplev desfeitos a tiro; a juventude desaproveitada, a vida não vivida do tio Vânia; as três irmãs iludidas sobre a vida fora da sua propriedade, na grande Moscovo e no amor verdadeiro; e, finalmente, Andréevna, iludida sobre a manutenção de um passado ligado a uma juventude e ao ginjal. Também à manutenção de uma ilusão de classe que deixará de o ser, antes que venham os veraneantes e os comerciantes cortar as árvores, desfazer a mística do verdadeiro ennui. "As Três Irmãs" e "O Ginjal" funcionam como uma espécie de inverso, parece-me, sendo que na primeiro as personagens querem sair do espaço rural e na segunda querem a todo o custo ficar. Curioso que entre o partir e o ficar, a comédia destas peças tem também a ver com a bipolaridade do tédio: ora maravilhando ora angustiando sobre o presente insatisfeito, o tanto que não se conseguiu, ou o tanto que já não volta. Não é por acaso que quase todas as peças tem um momento de elogio do trabalho, por contraposição a uma devassidão, a uma mediania, a uma pobreza de espírito na Rússia da época. Em Tchekhov há sempre um idealista, que verbaliza um futuro melhor, liberto destes tédios rurais, mas ele, como os demais, também acaba meio perdido ou, pelo menos, a caminho de parte incerta. E de galochas rotas! Mas livre! Com ironia, entenda-se... Resta saber se esta queda da ilusão é para o autor russo uma forma de pessimismo, ou pura e simplesmente, uma outra forma de encenar o envelhecimento.


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