domingo, 27 de agosto de 2017

Wiener-Dog (Wiener-Dog - Uma Vida de Cão, 2016) de Todd Solondz

Em Maio de 1966 Robert Bresson largou no festival de Cannes uma bomba contra os falsos moralismos do cristianismo. Au hasard Balthazar (Peregrinação Exemplar, 1966) seguia através de um inocente burro  - uma encarnação crística da santidade - e seus diferentes donos, a roda do pecado do Homem. Será que Todd Solondz não pretende fazer algo do género com Wiener-Dog, um cão-salsicha que salta de dono em dono, história em história? (Ou melhor, de conto em conto, pois é entre o talento de contista e o de dramaturgo, que Solondz posiciona o seu cinema). A resposta mais evidente é negativa, pois o realizador é no fundo como os alunos da personagem de Danny DeVito, um velho professor de argumento de uma escola de cinema, que se riem da sua fórmula "What if? Then what?". A causa tornada acaso dificilmente sustenta uma tese maior, e o filme parece bem ser esse passeio de um dachshund por entre barras de granola, pradarias, jaulas e vestidinhos que ocultam explosivos.

 Mas esse percurso canino entre as quatro histórias tem qualquer coisa de palíndromo (aliás título de um dos seus filmes), de back and forth entre as personagens dos seus filmes - uma delas, a de Dawn Wiener (Greta Gerwig) é a mesma personagem de Welcome to the Dollhouse (1995) - de pessoas que parecem estar à beira das etiquetas sociais do "sem-tomates" ou do "falhado": wieners, precisamente. São as suas personagens fracas ou deprimidas, cujas parcas palavras mostram o silêncio de traumas mas cujas tragédias são quase sempre motivo para dar uma gargalhada. Até se podia estabelecer uma progressão narrativa entre as quatro histórias - da jaula inicial à jaula final do dito cãozinho e do menino que aprende sobre a castração através de cães violadores e a personagem de Ellen Burstyn, óculos de ciclope e o oposto do cliché da velhinha piegas e simpática, a sonhar em bancos de jardins com a multiplicação de meninas ruivas, fantasmas das suas vidas alternativas. Podíamos fazer isso mas isso seria não definir o melhor do cinema de Solondz, o humor negro, neste caso em tons de castanho, esparramado nesse longuíssimo e maravilhoso travelling de diarreia canina no asfalto aos sons de "Claire de Lune" de Claude Debussy.

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