quinta-feira, 23 de julho de 2015

Six of a Kind

Ao embrenhar-me no cinema de WC Fields e na catalogação dos seus traços físicos, gestos obsessivos, objectos fetiche (do nariz à bengala, ao chapéu, à garrafa, ao tactear ou sentar-se em cima de algo afiado, há uma cartografia ou um desenho da pessoa e da comédia que dela advém como traços não separáveis) eis que chego a Six of a Kind de Leo McCarey. O nome é pesado na realização e isso talvez tenha ajudado ao "choque" de ver finalmente uma comédia com muita "graça". Pensei tratar-se de um filme de transição do humor físico ao humor mais cerebral, no qual WC Fields, que até só entra em cena perto dos 30 minutos (este tem uma hora), se sentisse como "peça a mais". Nada mais errado. Não só Six of a Kind precede a fama de Fields de obras como You're Telling Me!, The Back Dick, The Old Fashioned Way como muitos dos seus números e frases do filme de 1934 viriam a ser utilizados posteriormente. O melhor exemplo é a cena do snooker que viria a ser literalmente retomada em Follow the Boys, filme sobre o entretenimento dos soldados em plena 2ª Guerra Mundial, do qual aqui falei há uns dias. Esta capacidade de se mover os gags daqui para ali mostra a razão de ser deste choque. Como em muito poucos filmes de Fields (talvez My Little Chickadee com Mae West seja uma das excepções) aqui não é a acumulação de gags que suporta uma trama mais ou menos linear e neutra. McCarey inverte os termos: é no contexto da situação divertida- um casal que quer gozar uma segunda lua de mel e que se vê "vítima" da presença insistente de um casal que responde a um anúncio de jornal que a mulher havia colocado no sentido de dividirem despesas na viagem de carro para a Califórnia -, que os gags surgem. Fruto desta inversão é termos a sensação que até os momentos mais parvinhos (a dada altura o marido quer que o outro casal vá literalmente "dar banho ao cão" para poder ter duas horas a sós com a sua mulher) resultam e que afinal de contas o humor é sempre fortalecido quando tudo o que vemos no ecrã contribui para o riso. A queda ou o trejeito, apostas a um mundo imóvel, apenas torna o riso fugaz, um movimento sem substância, uma comédia sem drama. No filme de McCarey não: tudo se move, tudo se ri.

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