terça-feira, 1 de maio de 2012

Dia 5 no Indie- O que é uma família funcional?


El Estudiante, primeira longa-metragem de Santiago Mitre, chega-nos a Portugal provavelmente com o “empurrãozinho” de Pablo Trapero, tendo sido seu co-argumentista nos seus dois últimos filmes: Leonera (2008) e Carancho (2010), este último estreado entre nós. Além disso, Santiago Mitre é mais um nome a figurar do clichet em que se tornou pertencer ao “novo cinema argentino”. A sua estreia na realização acarinha um tema duro, a política estudantil como gérmen da carreira política. O seu protagonista é, claro está, um estudante, Roque, que vem da província para a grande cidade de Buenos Aires e que progressivamente vai começando a tomar parte ativa nos lutas pelo poder estudantil na capital argentina. Filmado em sete meses na Faculdade de Ciências Sociais de Buenos Aires, com uma pequena equipa, El Estudiante parece querer introduzir-se documentalmente no espaço que retrata, privilegiando a câmara à mão não muito irrequieta, os planos apertados e sobretudo uma relação interessante com os elementos que compõem os interiores, as bandeiras, os cartazes, etc. Parece que rodeamos a questão. Sim, temos de o admitir. Indo fundo ao assunto diga-se que El Estudiante sonha com um ambiente denso, politizado, como aquele que Michael Mann montou em The Insider (1999), por exemplo. Não estamos seguros sobre qual a razão principal que o separe de tal objectivo, talvez sejam várias ao mesmo tempo: primeiro, o dilema político vivido pelo seu protagonista permanece sempre como ilustração; depois, está longe de estar “resolvida” a relação emocional/sexual de Roque, isto na ligação com o resto que é El Estudiante; por fim, essa passagem da pequena vila à cidade, nunca deixa de ser um tema em surdina que raramente emerge na obra. O resultado disto tudo é um filme que, sendo profundamente construído do ponto de vista da sua história (a voz off ocasional mostra essa “obsessão” da escrita), é igualmente lasso na sua capacidade de “agarrar” o espectador. Para quem vê de fora (leia-se, que não seja argentino) mais do que o alastrar do vírus da política no seu protagonista, fica-nos, de forma doce, algumas marcas históricas e antropológicas de um povo e de uma cidade. Marcas que se ligam mais à forma de olhar, de acabar uma frase ou uma conquista amorosa do que a uma ascensão ou queda em busca de poder no vazio.


A sessão de ontem da Sala 2 do Londres às 23:45 tinha gente a dormir. Faz sentido, era tarde. Mas a maioria estaria provavelmente com aqueles sorrisos que mantemos durante algum tempo quando alguém nos embaraça e não nos queremos desmanchar. É que o filme a que se assistia ilustrava na perfeição aquilo que a dada altura um polícia diz a outro quando, em noite cerrada, deixa seguir caminho uma jovem que passeava num carrinho de bébé dois “reborns” (bonecos hiper-realistas que parecem mesmo bébés), à berma da estrada: “Well, it is not necessary to understand everything...”. É assim Totem da alemã Jessica Krummacher. O seu filme de fim-de-curso (estudou na Munich Film School) é sobre a chegada de Fiona, uma empregada doméstica, a casa dos Bauer, uma família burguesa alemã repleta de, hum... idiossincracias. O marido que fica louco quando não encontra a sua t-shirt da Ferrari, ou que prefere dar comida aos coelhos (ou salada de batata à empregada) a estar com a família. A esposa, na menopausa, frustrada sexualmente, busca refúgio nos seus rituais no solário ou tratando do seu casal de reborns. Mas ainda há mais: a “vizinha” que entra e sai dos planos como uma aparição desnorteada, o cão de plástico, o cavalo partilhado da filha adolescente e por aí fora. Esta verdadeira enxurrada de bizarrias, onde o filtro de sanidade parece surgir pelos olhos de Fiona, não é, contudo, aleatório. Embora falte ainda a Jessica controlar alguns ímpetos da sua linguagem cinematográfica, que já não fazem parte da intenção inicial, percebemos essa desconstrução permanente da ordem nórdica. A “normalidade da loucura”, o inverso do livro de Arno Gruen, que a realizadora alemã quer trabalhar está sempre na linha entre a obscuridade permanente que nos impulsiona para o filme, e a aleatoriedade que nos repele. Em paragens próximas de Hundstage (2001) de Ulrich Seidl ou Taxidermia (2006) de Gyorgy Pálfi, estamos curiosos para perceber onde se vai instalar a intransigência desta germânica de inegável talento para dirigir um discurso sobre a irracionalidade em potência na mais profunda das ordens familiares.



É ao terceiro filme que vemos da competição internacional de longas-metragens do IndieLisboa que se afasta o espectro da frustração em virtude das obras até aqui apresentadas. De Jueves a Domingo da chilena Dominga Castillo é mais uma primeira obra mas desta feita de surpreendente maturidade e subtileza. Uma última viagem de uma família em desagregação investindo nos prazeres de um tempo “analógico” em família (canções, jogos, conversas) tendo como subtil fantasma esse gérmen da separação que passa ao lado do rapazinho mais novo e ao qual a irmã está atenta. Este jogo de percepções dos mais jovens e das relações, palavras e gestos encobertos dos mais velhos (o tesouro do argumento) só funcionam porque Dominga Castillo sabe exatamente como colocar a câmara por forma a captar aquilo que por comodidade chamaremos de “reserva da vida privada”. Desde o plano inicial em que o pequeno é tirado da sua cama, ainda de madrugada, para iniciar viagem, passando, por exemplo, pelo plano da relação da esposa com um “amigo” que encontram, visto na penumbra, com a câmara na outra tenda, a da família. Não raras vezes De Jueves a Domingo é de uma justeza total no que filmar e sobretudo em como filmar aquilo que é da qualidade própria do que pertence à intimidade. O plano muito aberto no final é precisamente esse espaço dado àquelas pessoas, como uma última oportunidade de viverem o que já não tem remédio. Claramente o melhor filme em competição até este ponto.  

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