quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Cela 211

Na cela 211 de uma prisão espanhola um homem comete suicídio: corta as veias dos pulsos na vertical e esvai-se em sangue. Mais tarde vem a saber-se que o motivo são as dores insuportáveis devido a um tumor no cérebro do tamanho de um “kiwi”. Agora a cela está vazia e é nela que os guardas prisionais colocam provisoriamente Juan Oliver, jovem que na véspera de iniciar funções na prisão sofre um “acidente” numa primeira visita às instalações.

Entretanto, os prisioneiros amotinam-se e o protagonista tem de se infiltrar, fazendo-se passar por criminoso, para poder sobreviver à revolta. Este é o set up de Celda 211, de Daniel Monzón, nomeado a 16 (!) categorias da edição dos Goya deste ano e vencedor de metade, entre eles melhor filme, melhor argumento, melhor realização, melhor actor principal (Luis Tosar) e melhor actor revelação (Alberto Ammann).

E qual a chave deste êxito, perguntar-se-ia? Ao quarto de hora de filme, Juan Oliver (uma espécie de John Doe, John Smith espanhol) recupera consciência e livra-se imediatamente de todos os bens pessoais que o possam denunciar como futuro guarda, entre eles os atacadores dos sapatos, algo que previamente lhe tinham explicado ser um objecto interdito aos reclusos. A cena em causa possui uma música frenética, ritmada, que mostra a vontade de Celda 211 ser um filme de acção espanhol que se posiciona como aprendiz de um cinema mainstream norte-americano, ao caso, entre o thriller em ambiente prisional, no subgénero do motim, e a história de amizade entre homens de naturezas distintas, tendo como pano de fundo o tema do “infiltrado”. Juan tem como principal opositor/amigo o líder da revolta, Malamadre, uma espécie de inverso do herói.

Perante isto verifica-se que o êxito de Celda 211 nasce precisamente da pretensão ao uso de um mecanismo Prison Break, inédito na cinematografia espanhola, e o uso de uma linguagem cinematográfica semi-popular. Contudo, ao contrário da “manufactura” extremamente inventiva que um prisioneiro tem de dominar para sobreviver – adoptar objectos comuns a um uso ímpar na luta diária das prisões – o argumento de Mónzón e Jorge Guerricaechevarría, adaptado no romance de Francisco Pérez Gadul, padece precisamente dessa falta de manufactura, que trariam o drama para além da caricatura e com aquele o exponenciamento do investimento emocional do espectador. Dois exemplos. Um. Qual a função prática da personagem de Elena, mulher de Juan? Não é certamente por ela estar grávida que nos apiedamos mais de Juan. Dois. Porque é que os reféns são da ETA? Há alguma influência prática além do “bilhetepostalismo”, como o chamava Robert Bresson, que constitui essa característica? Que não se pense isto como perseguição ao detalhe realista. É antes a prova de um argumento que precisa apuramento.

Ficam-nos de Celda 211 dois aspectos. O primeiro, a presença de Luis Tosar que embarca na sua caricatura com força destemida. Depois, o momento, especialmente irónico, em que os prisioneiros amotinados se vêem na CNN, com um deles a traduzir o inglês. Se aí o filme se cumpre no seu “objectivo internacional”, é também quando, à semelhança do muito citado episódio da série Twilight Zone, Five Characters in Seach of an Exit, que aqueles e nós, nos apercebemos da sua pequenez.

O filme tem estreia agendada no nosso país a 1 de Dezembro.



2 comentários:

  1. O inverso de um "trauliteiro pretensiosismo" é uma trauliteira ignorância. O movimento é o mesmo. Só que um em direcção a querer conhecer mais, o outro em direcção à negação obstinada do que não compreendemos. O que é aliás bem mais fácil, diga-se de passagem...

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